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São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Comando Vermelho, PCC e as ONGs do mal

ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA

Mais ou menos cinco anos atrás, numa reunião de empresários colombianos num evento do Ceal (Conselho de Empresários da América Latina), tive oportunidade de ouvir de um destacado líder daquela comunidade um desabafo a respeito dos problemas endêmicos de segurança naquele país. Dizia-me que muito tardiamente os empresários colombianos resolveram se mobilizar num diálogo de apoio mais direto ao seu governo para tratar do problema das guerrilhas. Até então, entendiam eles que o problema das guerrilhas e dos narcotraficantes era do Estado e que eles não deveriam se intrometer.
Quando se dispuseram a tomar uma posição mais ativa, inclusive associando-se ao "Plan Colombia", era tarde demais, pois os laços entre os então ditos "guerrilheiros" e os narcotraficantes estavam tão fortes que ficava difícil dizer onde começava um e terminava outro. De lá para cá, temos visto uma série de tentativas frustradas de diálogo com os "guerrilheiros", em busca de um processo de paz que nunca se materializou, apesar das concessões do presidente anterior, Andrés Pastrana, que até criou uma zona desmilitarizada para os "guerrilheiros", o que facilitaria a busca do tão desejado diálogo.
Ao contrário do que se poderia imaginar, os combates se intensificaram e os ataques das Farc, ELN e dos contramilitares não arrefeceram. A esta altura, não creio que reste dúvida de que os ideais sociopolíticos dos grupos guerrilheiros, se é que existiram no início do processo, foram desmascarados.


Não parece haver mais dúvida de que esses grupos vêm espalhando o terror para mostrar sua força e sua audácia


O presidente Álvaro Uribe vem privilegiando uma linha severa, buscando maior apoio internacional para intensificar o combate e conseguir o que veio tardiamente: a classificação das Farc como grupo terrorista pela Organização dos Estados Americanos, no que foi imediatamente apoiada pelos demais presidentes da América do Sul, à exceção da Venezuela e do Brasil.
Os colombianos, com justa razão, queixaram-se da falta de apoio dos países vizinhos, como o Brasil. Isso provocou a vinda do presidente Uribe ao nosso país, em busca de maior suporte oficial brasileiro. Muito embora a contragosto, temos que nos envolver com mais empenho do que até agora fizemos para ajudá-los, evitando um agravamento desse quadro.
O que temos visto no Brasil é a força que vem de algumas das "ONGs do mal", como o Comando Vermelho, no Rio, e o PCC, em São Paulo. Elas têm ocupado espaço cada vez maior, criando um "Estado" próprio que elas mesmas regulam, por leis por elas estabelecidas e usando seu próprio poder de fogo para aterrorizar a indefesa população. Os meandros das favelas facilitam seus esconderijos, que mais se assemelham a cavernas onde se refugiam os terroristas da Al Qaeda, tornando difícil a sua localização e o seu confinamento.
Não parece haver mais dúvida de que esses grupos, que devem sua posição ao narcotráfico, vêm espalhando o terror para mostrar sua força e sua audácia, que não têm limites. O que fizeram às vésperas do Carnaval para assustar a população e os turistas, importante fonte de emprego, principalmente para o Rio de Janeiro, é inominável.
Mais recentemente, o assassinato do juiz da Vara de Execuções Penais de Presidente Prudente, Antônio José Machado Dias, mostra que a ousadia desses criminosos não tem limites. É preciso que a sociedade civil, em parceria com o governo, busque mecanismos para erradicar de vez esse problema, antes que ele tome a dimensão do que vem ocorrendo na Colômbia, que está à beira de uma guerra civil.
O debate é essencial; deve obrigatoriamente dele fazer parte o conjunto de medidas sociais do governo -a melhoria da condição de vida e de trabalho dos policiais, melhor aparelhamento das prisões e das penitenciárias. A presença de militares no combate à criminalidade só pode ser vista como uma solução emergencial. As Febens merecem um acompanhamento especial, pois em São Paulo quase diariamente há rebeliões. E, finalmente, é preciso mais agilidade do sistema Judiciário, pois a impunidade é um fermento dessa situação.
O estudo preparado pelo Instituto Fernand Braudell para o Banco Mundial, sobre a redução da criminalidade e da violência em Diadema, que teve como orientador o coronel José Vicente da Silva, precisaria ser analisado em profundidade e suas conclusões implementadas em outras cidades. Aliás, o instituto tem desenvolvido um trabalho extremamente importante nessa área.
Portanto, antes que seja tarde, nossas autoridades deveriam se concentrar no combate sem tréguas a esse câncer que, embora esteja ligado a problemas de desigualdade, tem uma dinâmica própria. É um problema de segurança pública e respeito às leis que tem de ser resolvido, para que possamos respirar e reconstruir esse maltratado país.

Roberto Teixeira da Costa, 67, economista, fundador e vice-presidente do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), é membro do Conselho de Administração do Banco Itaú. Foi presidente do Conselho de Empresários da América Latina (1998-2000).


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