São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 2008

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ALBA ZALUAR

Ordem sob a lei

O DISCURSO da ordem já foi apontado como conservador, reacionário e injusto por aqueles que optaram por minimizar os efeitos negativos dos tráficos, ou seja, das atividades comerciais ilegais, especialmente o de drogas ilegais.
Considerar tais atividades como inevitáveis nas cidades multiculturais e de alta densidade demográfica resulta em desconsiderar a violência que elas acarretam para impor poder e privilégios a poucos, como foco da política pública. A mensagem é que a desordem é inevitável e justa.
Um novo discurso, cada vez mais proeminente, focaliza a responsabilidade da sociedade como um todo pelo descaso com a lei. Todos são culpados porque pagam propinas a policiais, não respeitam regras de trânsito, fraudam declarações de Imposto de Renda, consomem drogas, fenômenos mundiais.
Há até os que culpam pais por mandarem seus filhos mentirem ao interlocutor que lhes telefona quando não querem ter uma conversa telefônica indesejável. Como se mentir em quaisquer circunstâncias fosse equivalente a crime.
Como se todas as regras informais da sociabilidade estivessem inscritas nos códigos de lei do país. Felizmente não estão, e a criatividade brasileira continua a se expressar na sociabilidade.
O problema é que esta perspectiva da lei não explica porque os homicídios cresceram exponencialmente no Brasil nas últimas décadas, mas não em outros países que enfrentam diariamente a manutenção da ordem legal. Nivelar crimes e contravenções com graus tão diversos de gravidade e, portanto, de seqüelas mais ou menos abrangentes, danos mais ou menos trágicos, não ajuda a estabelecer prioridades nas estratégias da segurança.
A vantagem é que, excluídos os exageros, a ordem passa a ser vista como a ordem sob a lei, nem sempre justa, mas muito melhor que a lei do mais forte.
E há cenários e relações de violação das normas legais que não deixam dúvida quanto à sua prioridade. Este é o caso do diferente tratamento dado aos pobres, de todas as cores, mas principalmente aos favelados de pele mais escura, pelas polícias nas cidades brasileiras. No Rio de Janeiro, policiais militares aprendem que devem fazer uso excessivo da força para se impor junto a favelados de algumas áreas da cidade.
Em todos os Estados, o tratamento mais violento aos pobres é parte da questão a ser resolvida.
Quando a abordagem policial obedecer às normas legais, válidas para todos os cidadãos, uma revolução terá acontecido. E a desigualdade social, que faz do Brasil um campeão mundial envergonhado, perderá sua feição mais trágica.


ALBA ZALUAR 0escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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