São Paulo, quarta, 24 de março de 1999

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Os eternos trapalhões

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Com a quebra da invencibilidade do real e a ameaça concreta de uma inflação que pode ser galopante, a ordem vinda lá de cima é desconversar quando o assunto é gatilho, indexação ou reposição de perdas salariais.
Do presidente da República ao mais reles chefe de serviço estatal, passando pelos ministros e porta-vozes formais ou informais, todos garantem que a prioridade número um do governo é o combate ao desemprego e não o poder de compra da moeda.
É uma novidade. É também uma agressão à memória e à dignidade do país. Outro dia, aqui mesmo na Folha, um ministro que vem do primeiro mandato de FHC provou por a mais b que a política cambial (que ele passou quatro anos aprovando) estava errada e só agora foi consertada.
Falou e disse com a segurança de quem nunca duvidou de si mesmo e de suas convicções. Arrolou os mesmos argumentos que a oposição brandiu durante quatro anos e foi tachada de burra e boba. Quem é o burro, quem é o bobo agora? No fundo, cada ministro revela-se bom discípulo de FHC, que ensinou a seus auxiliares a técnica de negar evidências e mudar de opinião apedrejando a opinião da véspera.
Outro ministro, com a cara devastada, piedosamente escandalizada pelo drama social que vivemos, vociferou contra a tentativa de maus brasileiros de bagunçar o país com gatilhos salariais.
Todos os eleitos, todos os bacanas deviam integrar a portentosa cruzada contra o desemprego, criação nefasta que agora está sendo atribuída à oposição, ao Lula, ao Brizola, ao Itamar, aos pêlos pubianos da Lilian Ramos. E também aos colunistas que se recusam a bajular o poder.
Dizem que FHC e seus principais ministros são fluentes em inglês. Mas acho que não entendiam muito bem o que os executivos do FMI estavam falando. E continuam sem entender o que agora falam. Apesar da boa vontade em cumprir as ordens, complicam tudo na hora de obedecer.



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