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Podia ser pior
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Podia ter sido pior.
Afinal, não houve mortos, pelo menos
que se saiba. Alguns feridos e presos
fazem parte da contabilidade de qualquer festa. Mas também, que diabo,
podia ter sido melhor.
Faltou alegria e espontaneidade,
tanto por parte do governo como do
povo. Se pudessem, as autoridades teriam ignorado os festejos dos 500 anos,
tantos são os problemas que foram levantados. O povo gostaria de ter uma
festa mais alienada, como o Carnaval,
o réveillon nas praias.
Intelectuais, historiadores, economistas e espíritos de porco em geral sacudiram a consciência nacional com
os crimes de nossa civilização, o genocídio de índios, a devastação das matas, o envenenamento dos rios.
Santo Agostinho dizia que "o sábio
só se diverte tremendo". Sendo sábio,
ele sempre sabe que não devia se divertir. Pois foi exatamente isso que
aconteceu. Ficamos sabendo que somos genocidas, cúmplices da Inquisição que batizou à força os nossos índios, que explorou os escravos e até hoje não sabemos onde estão os ossos de
Dana de Tefé.
Como podíamos nos alegrar, como
podíamos nos distrair com tantos crimes nas costas, tantas omissões na
consciência?
Numa correspondência de Stendhal,
li que um conhecido dele suicidou-se
no dia em que fez 50 anos. O cara inventariou tudo o que comeu e destruiu
na natureza durante tanto tempo.
Mais de mil frangos, não sei quantas
ostras, quase uma tonelada de peixe,
ovelhas, bois e suínos. Não suportou
tamanha culpa e pediu o boné. E ele só
tinha 50 anos.
Com 500 anos em cima do lombo, o
Brasil fez mais e pior. Não estou insinuando que devamos promover o suicídio coletivo de 160 milhões de assassinos brasileiros.
Mas nossa sobrevivência não merece
que arreganhemos os dentes na alegria mal informada de uma festa. Daí
o clima envergonhado que marcou os
nossos primeiros 500 anos.
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