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São Paulo, quinta-feira, 24 de abril de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Mudanças sim, desrespeito não

CLÁUDIO BALDINO MACIEL

O Poder Judiciário precisa e deve ser melhorado -é o que temos dito incessantemente todos os presidentes de associações de magistrados e a maioria dos presidentes de tribunais deste país. Precisa de mais transparência em suas administrações e de maior democracia interna. Mas precisa, igualmente, maior respeito de todos os cidadãos brasileiros.
O presidente da República, titular do Poder Executivo, ao justificar a necessidade de controle externo do Judiciário, disse que "é preciso saber como funciona a caixa-preta desse Poder que se considera intocável". E foi mais longe: disse que o Judiciário deve servir as pessoas, e não delas se servir.
Parece-me ter andado mal o presidente da República em sua manifestação. Ele, que já não está em campanha eleitoral, e sim governa efetivamente o país, juntamente com os outros dois Poderes da República, deve fazê-lo de forma harmônica com os demais Poderes, como determina a Constituição Federal.
O que significa uma "caixa-preta", da forma como foi dita pelo chefe do Poder Executivo? Na melhor das hipóteses, é uma expressão que identifica coisas escondidas e, por isso, suspeitas. Mas o Judiciário presta contas de sua administração financeira aos Tribunais de Contas, órgãos do Poder Legislativo. Na área administrativa, toda a vida funcional de juízes e servidores está baseada na legislação, sendo, portanto, pública, como públicos são seus vencimentos e vantagens, tudo por definição e imposição legal. O Judiciário precisa, isto sim, estar mais apto a se manifestar publicamente, dando conta de suas rotinas. Mas daí a ser chamado, pelo presidente da República, de caixa-preta que se serve do povo, antes de o servir, é algo injustificável sob qualquer ângulo de que se aprecie o assunto. Mais nociva é a expressão que leva a crer que o Judiciário não serve aos cidadãos, mas deles se serve.
A respeitabilidade do Poder Judiciário é patrimônio da democracia brasileira. Ela deve ser conquistada com trabalho, com postura e com respeito. Se há algo a mudar -e por certo há-, pode e deve o presidente propor tal mudança. Aliás, o projeto de emenda constitucional que trata da reforma do Judiciário, que tramita no Congresso Nacional há quase uma década, poderia, se votado, melhorar muitos pontos de nossa legislação. Mas, pelo que temos visto nas manifestações do próprio governo Lula, o assunto voltará à estaca zero, e podemos presumir que as novas propostas terão mais um longo período de tramitação congressual.


Atacar as instituições colabora para um clima de insegurança que nenhuma pessoa de bem pode desejar


Por isso, ao assistirmos ao presidente referir-se ao Judiciário como o fez em seu discurso, com expressões que beiram a injúria, parece-nos incompatível com a serenidade que se espera da maior autoridade da nação no trato com autoridades de outro Poder da República. O que se espera do presidente é que ele proponha concretamente mudanças que possam trazer à nação mais segurança e confiança nos Poderes.
Todos nós, cidadãos e magistrados brasileiros, queremos mudança, estamos diariamente a propô-las no foro adequado, o Parlamento nacional, mas exigimos respeito. Se do cidadão comum não podemos, aqui ou ali, obtê-lo, certamente nos é lícito esperá-lo do presidente da República.
O fato de não concordarmos com a postura de um ou outro parlamentar jamais esmaecerá o respeito supremo que temos, os magistrados brasileiros, pelo Congresso Nacional, que, assim como o Poder Judiciário e o Executivo, é expressão maior da democracia neste país. Atacar as instituições colabora para um clima de insegurança que nenhuma pessoa de bem pode desejar. Mesmo defendendo o controle externo, mecanismo que desnatura o próprio sistema de tripartição de Poderes, o que se pode compreender, já que Lula não é versado em teoria e história constitucional (e não precisa ser, obviamente), é de postular do presidente da República pelo menos um trato mais polido para com os demais Poderes.
Afinal, se o presidente pode tratar o Judiciário desse jeito, cidadãos comuns sentir-se-ão autorizados a ir muito mais longe. E, com isso -não com a crítica, mas com o desrespeito-, perde a democracia brasileira, atinge-se instituição basilar em sua sustentação e não se colabora para fortalecê-la, senão para debilitá-la. A quem pode interessar tal fragilização?
Por isso, admitida a necessidade da mudança, mister é fazê-la logo, sem desmerecer ou desrespeitar o Poder Judiciário, mas dando-lhe meios e instrumentos para prestar justiça de melhor qualidade e em tempo útil. E com mecanismos que determinem maior transparência e democracia interna e externa do Poder.
O presidente, que é homem simples e elegante no trato pessoal, certamente encontrará momento para, reafirmando a dignidade de sua excelsa função, rever o tratamento publicamente descortês conferido, inadvertidamente, ao Judiciário brasileiro em recente manifestação no Estado do Espírito Santo. Ao fazê-lo, consolidará a esperança que os magistrados brasileiros depositam no futuro deste país, sobretudo agora que, em face do programa do novo governo, espera-se seja prestigiado definitivamente o núcleo duro do Estado nacional, afastando-se as políticas de Estado mínimo e outras compatíveis com interesses financeiros internacionais mais do que com as aspirações de nosso povo, que levaram ao estabelecimento de um Estado paralelo da violência e do medo, que só poderá ser combatido com instituições estatais com elevada auto-estima e instrumentos adequados ao desempenho de suas atividades.
Com ataques verbais, não chegaremos a lugar nenhum.

Cláudio Baldino Maciel, 47, desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, é presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros.


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