São Paulo, quarta-feira, 24 de maio de 2006

Próximo Texto | Índice

Falta transparência

É preciso preservar a polícia como instituição, mas ocultar a lista dos 79 mortos é uma maneira equivocada de fazê-lo

NÃO SE justifica a relutância do governo do Estado de São Paulo em divulgar a lista das pessoas mortas pela polícia na reação da força pública à campanha de assassinatos promovida pelo crime organizado. Em vez de aproveitar a oportunidade e demonstrar compromisso com um choque de legalidade exemplar em todos os aspectos derivados da ofensiva criminosa, o Executivo estadual expôs-se ao desgaste de ser cobrado, de ofício, pelo Ministério Público.
"Dentro do Estado Democrático de Direito, prevalece o princípio da publicidade", afirmou o procurador-geral de Justiça do Estado, Rodrigo Pinho, explicando por que cobrou a apresentação, em 72 horas, da lista dos mortos pelas forças policiais (cujo total oficial foi reduzido ontem de 109 para 79) e a dos respectivos laudos periciais, em até cinco dias. Pinho apenas interpreta princípio basilar da Constituição (art. 5º, inciso LX; art. 37), que deveria ser de conhecimento de todo homem público.
Autoridades estaduais não estariam agora sob ameaça de prisão por crime de desobediência (art. 330 do Código Penal) se houvessem cumprido seu dever de informar a sociedade sobre atos de tamanha relevância. Prestar contas de suas ações é obrigação de um governo republicano e, quando estão em jogo os limites da interferência do Estado no direito à vida, é um elemento decisivo na distinção entre democracia e despotismo.
Se não há nenhum motivo para atribuir intenções autocráticas à atitude do governo Cláudio Lembo de sonegar informações ao público, de outro lado não procede a explicação oficial -de que era preciso abrir inquéritos antes de publicar os nomes dos mortos. A decisão de dificultar o acesso à relação provavelmente partiu do diagnóstico de que era preciso preservar e prestigiar a polícia após a corporação ter sofrido um ataque covarde e sistemático do banditismo.
O diagnóstico está correto, assim como está correto o governo paulista quando, partindo dessa mesma premissa, decidiu pagar também às famílias de agentes mortos fora de serviço o seguro de vida funcional. Quando indivíduos são alvo de uma campanha de extermínio pelo fato genérico de defenderem, por profissão, a segurança pública, é o próprio Estado de Direto que é confrontado.
Ocultar a lista de mortos, porém, é um meio equivocado de tentar evitar desgastes à polícia. Se houve, como sugerem indícios, assassinatos sumários -se pessoas que não tinham envolvimento com o crime nem com a onda de ataques foram mortas-, o melhor modo de preservar a polícia como instituição é permitir que seus autores sejam identificados, expulsos da corporação e processados penalmente.
O compromisso do governo com a publicidade, neste momento, é o tipo de garantia que beneficia a todos que estão do lado da ordem: o poder público, a polícia e a massacrante maioria da sociedade, que não compactua com ilegalidades onde quer que ocorram.


Próximo Texto: Editoriais: Sinal trocado

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.