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Falta transparência
É preciso preservar a polícia como instituição, mas ocultar a lista dos 79 mortos é uma maneira equivocada de fazê-lo
NÃO SE justifica a relutância do governo do
Estado de São Paulo
em divulgar a lista das
pessoas mortas pela polícia na
reação da força pública à campanha de assassinatos promovida
pelo crime organizado. Em vez
de aproveitar a oportunidade e
demonstrar compromisso com
um choque de legalidade exemplar em todos os aspectos derivados da ofensiva criminosa, o Executivo estadual expôs-se ao desgaste de ser cobrado, de ofício,
pelo Ministério Público.
"Dentro do Estado Democrático de Direito, prevalece o princípio da publicidade", afirmou o
procurador-geral de Justiça do
Estado, Rodrigo Pinho, explicando por que cobrou a apresentação, em 72 horas, da lista dos
mortos pelas forças policiais (cujo total oficial foi reduzido ontem de 109 para 79) e a dos respectivos laudos periciais, em até
cinco dias. Pinho apenas interpreta princípio basilar da Constituição (art. 5º, inciso LX; art.
37), que deveria ser de conhecimento de todo homem público.
Autoridades estaduais não estariam agora sob ameaça de prisão por crime de desobediência
(art. 330 do Código Penal) se
houvessem cumprido seu dever
de informar a sociedade sobre
atos de tamanha relevância.
Prestar contas de suas ações é
obrigação de um governo republicano e, quando estão em jogo
os limites da interferência do Estado no direito à vida, é um elemento decisivo na distinção entre democracia e despotismo.
Se não há nenhum motivo para
atribuir intenções autocráticas à
atitude do governo Cláudio Lembo de sonegar informações ao
público, de outro lado não procede a explicação oficial -de que
era preciso abrir inquéritos antes de publicar os nomes dos
mortos. A decisão de dificultar o
acesso à relação provavelmente
partiu do diagnóstico de que era
preciso preservar e prestigiar a
polícia após a corporação ter sofrido um ataque covarde e sistemático do banditismo.
O diagnóstico está correto, assim como está correto o governo
paulista quando, partindo dessa
mesma premissa, decidiu pagar
também às famílias de agentes
mortos fora de serviço o seguro
de vida funcional. Quando indivíduos são alvo de uma campanha de extermínio pelo fato genérico de defenderem, por profissão, a segurança pública, é o
próprio Estado de Direto que é
confrontado.
Ocultar a lista de mortos, porém, é um meio equivocado de
tentar evitar desgastes à polícia.
Se houve, como sugerem indícios, assassinatos sumários -se
pessoas que não tinham envolvimento com o crime nem com a
onda de ataques foram mortas-,
o melhor modo de preservar a
polícia como instituição é permitir que seus autores sejam identificados, expulsos da corporação
e processados penalmente.
O compromisso do governo
com a publicidade, neste momento, é o tipo de garantia que
beneficia a todos que estão do lado da ordem: o poder público, a
polícia e a massacrante maioria
da sociedade, que não compactua com ilegalidades onde quer
que ocorram.
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