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VINICIUS TORRES FREIRE
Mortes do futebol e outras mortes
SÃO PAULO - A cada Copa, notamos que o futebol parece mais sem graça,
em especial para nós, brasileiros e
subdesenvolvidos. Trocamos um dedo de malabarismo e diversão por
um palmo de eficiência crua, ao menos no que se refere ao jogo de bola, e
infelizmente nem sempre só nisso.
É um clichê subdesenvolvido o auto-elogio da sensualidade, da ginga e
da manemolência, palavra que aliás
a princípio significava pachorra e
fraqueza. É um pouco besteira, mas
não só. A civilização industrial e a
eficiência disciplinam o corpo e o
tempo. Mais eficiência, menos tempo
para adestrar a ginga.
O futebol profissional e seus ricos
contratos potencializam a disciplina
de corpo e mente. Meninos são escolados desde cedo em futebol eficaz. O
custo de uma graça no campo é enorme. Uma derrota bonita implica a
perda da rica publicidade da transmissão da final do torneio pela TV.
Mas, a fim de eliminar o risco, pune-se a alegria. O jogo se reduz à sua regra, e a regra não muda para que se
agreguem mais imprevisibilidade e
criação ao jogo. É lógico, mas chato.
A brincadeira vadia e circense com
uma bola no terreno baldio desaparece com a urbanização violenta. O
campo baldio dá lugar à favela, à incorporação imobiliária. Em países
que misturam civilização industrial e
miséria, o sacrifício da labuta dura e
mal paga se soma à pobreza sem lazer e ao crime.
Quantos talentos, para a bola ou
outro, morrem jovens? Um de cada
mil jovens será assassinado nas capitais do país neste ano. Dezenas de milhares estão no tráfico, em outro crime ou presos. O crime é jovem, masculino e pobre. Mata-se 70% mais
nos fins de semana sem lazer, sem bola e com muita droga, cachaça, facada e tiro nos bairros pobres.
A miséria sem crime, pachorrenta e
rural, manemolente, deu muito craque nos anos 50 e 60. O desenvolvimento exauriu parte da "graça subdesenvolvida" e produziu o matadouro de talentos. Nossa cultura ainda elogia a alegria, a liberdade e a
humanidade das relações informais.
Mas vivemos como robôs, sob exigências modernas e mortes primitivas.
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