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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Os falsários
A radicalização de herança
denunciada como maldita pelos
que a radicalizam; o adiamento indefinido de qualquer esforço para retomar e para reconstruir o desenvolvimento brasileiro; a destruição dos instrumentos de uma política desenvolvimentista, sejam carreiras públicas,
sejam organizações públicas como a
Embrapa; a delegação da política econômica (e agora de parte das negociações da Alca) a quadros de terceira ordem intelectual, embasbacados diante
das lições de seus professores americanos; a degeneração da reforma previdenciária em fiscalismo desesperado e truculento; o abandono de qualquer tentativa de simplificar e de reorientar o regime tributário; a redução
da política social a medidas compensatórias cujo desacerto é ocultado por
sua inoperância; a ausência de iniciativas destinadas a desconcentrar o acesso às oportunidades de trabalho, de
crédito e de ensino; o fatalismo com
que se encaram o aviltamento do salário e o aumento do desemprego como
se fossem o preço a pagar pelo controle da inflação; o apelo à necessidade de
manter a confiança financeira como
justificativa genérica para esses males;
o aproveitamento da fragilidade dos
partidos para fragilizá-los ainda mais
e a desfaçatez dos acertos que se começam a fazer, em nome da hegemonia política, com os grandes empresários e com a grande mídia - tudo isso
pressagia duplo desastre para o país.
Desastre de desmoralização da democracia: foi para interromper tudo
isso que o país votou em outubro de
2002. E desastre de desperdício de
oportunidade histórica: agora temos
de começar tudo de novo para forjar o
instrumento político de alternativa
nacional, trabalhista e produtivista.
Há quem veja na política externa do
governo exceção a essa passividade.
Não é. No tema mais urgente -a Alca-, a visita do presidente aos Estados Unidos mostra que o esvaziamento estratégico das negociações foi
substituído por fórmulas e por procedimentos que nos devolveram ao rumo da rendição. Tudo contrabalançado pela busca de subegemonia na
América do Sul, por homenagens a tiranetes latino-americanos do agrado
do PT e pelas reclamações de sempre
contra as injustiças da globalização.
Washington e Wall Street não se impressionam com esses gestos; comemoram, embora como fato menor e
previsível, a prostração do governo
brasileiro, assumida pelo próprio Lula
na metáfora reveladora e humilhante
do boxeador nocauteado. Enquanto
não tiver projeto interno, o Brasil não
terá política exterior. O objetivo de
ajudar a mudar a situação mundial será substituído pela ambição de figurar
como potência média nos foros internacionais. Figurar sem dar aborrecimento. Figurar para não ser. Salvam-se o compromisso de reerguer o Mercosul e a promessa de aproximação
aos outros países continentais em desenvolvimento.
A base dessa abdicação interna e externa é a falta de fibra e de clareza: a
disposição de assumir o papel do bom
operário que cuida dos pobres sem
causar problema aos patrões e é, por
causa disso, bem visto pelos graúdos
do mundo. É também a determinação
(até nisso míope) de manter a hegemonia política a qualquer preço, mesmo que seja a preço de infidelidade ao
povo brasileiro. Dá nojo. A reação do
país pode demorar. Quando vier, porém, virá para arrasar os que traíram o
Brasil para gozar do poder.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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