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CARLOS HEITOR CONY
Mão de obra
RIO DE JANEIRO - Todas as noites,
habituei-me a fazer um exame de
consciência para ver se melhorei,
se piorei ou se fiquei na mesma. Geralmente fico na mesma. Em tempos eleitorais, tenho motivos não
para não me considerar melhor,
mas para constatar que poderia
estar na pior.
Penso na legião de candidatos
espalhados por todo o Brasil. O trabalho que estão tendo, percorrendo
suas zonas, providenciando reuniões, gastando o dinheiro que não
têm, prometendo o que não podem
cumprir.
Além do trabalho miúdo, que
compromete todos os candidatos,
dos presidenciáveis ao deputado
estadual, há a necessidade de aparecer para proclamar: "Estou aqui.
Sou o fulano que fez isso, que fez isso e que fará aquilo".
A mão de obra é imensa, e, na loteria eleitoral, muitos são os chamados e pouquíssimos os escolhidos. Daí que, a cada noite, antes de
me entregar àquilo que antigamente se dizia serem os braços de Morfeu, folgo com o fato de não ser candidato a nada e a coisa nenhuma.
Mas tenho amigos que estão penando na pedreira eleitoral. Lembro um deles, que vendeu a herança dos pais e o futuro dos filhos para fazer uma campanha que ele
mesmo reconhecia modesta.
Tão modesta que, no último dia
em que podia divulgar seu nome e
suas ideias, descobriu que ainda tinha mais de 5.000 cartazes com sua
foto, seu número e seu slogan: "Tudo para o povo".
Poderia vender o papel a quilo,
mas achou que era humilhação demais. Com o auxilio da mulher e do
filho mais velho, levou os pacotes
para um terreno baldio, jogou gasolina em cima e riscou um fósforo.
Queimou sua esperança como se
queimasse uma bruxa medieval.
Penso nele e dou-me por satisfeito, porque as bruxas que queimo
todas as noites ressurgem no dia
seguinte, com suas promessas
enfeitiçadas.
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