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JOSÉ SARNEY
A ética e a maria-mole
Foi um político, desses que trabalham com idéias, Cícero, quem fez
da moral o ponto fundamental de sua
extensa obra filosófica. Seus livros, sobretudo "De Officiis", são tratados
que ensinam a supremacia dos valores
éticos. "Um dia só, vivido honestamente, é preferível a uma imortalidade imoral", dizia ele.
Não podemos generalizar à classe
política a conduta de maus políticos.
Nem achar que é monopólio destes o
que acontece nessa região cinzenta
dos costumes.
A ética saiu dos tratados de filosofia
para ser, nos nossos dias, uma das
mais aliciadoras palavras do vocabulário político. A sua marca estóica desapareceu e ela tornou-se a conduta
das pessoas com obrigação de seguir
uma agenda de valores profissionais: a
ética da política, a ética médica, a ética
do futebol, a ética dos advogados, a
ética da imprensa et cetera e tal. Para
vigiá-las, passaram a existir os conselhos de ética, que enfeitam toda organização que se preza. Ética é também,
na linguagem das doenças, uma febre
que não passa, insidiosa.
O Renascimento e o Iluminismo libertaram o homem de todos os dogmas para que ele pudesse, no exercício
da razão, gozar de liberdade para escolher entre o bem e o mal. Hoje, com
a sociedade da informação, a transparência é básica para o autocontrole.
Nada pode ser segredo. Isso dá uma
sensação opressiva de perda da liberdade.
Tudo é público, e a mídia, com seu
instrumental de meios, vigia, denuncia e condena. É um bem ou é um mal?
Os resultados respondem positivamente. Há um movimento de melhoria de métodos e procedimentos. O
medo ou a certeza de que é impossível
esconder erros cria um outro patamar
de condutas. Mas falta, ainda, que essa
praxe se derrame de maneira homogênea no tecido social. Não basta o fogo cruzado em agentes de governo.
Para o país sair da corrupção endêmica, é necessário mudar hábitos, costumes, e sanear, sem privilégios.
Vejamos o que ocorre em alguns setores industriais, protegidos da invasão moralizadora da sociedade da informação. Um fato terrível mostra o
nível de proteção e impunidade que
existe nesses segmentos. É o caso da
fraude nas embalagens que de embalagem não têm nada, é roubo mesmo,
a céu aberto. E a quem? Ao consumidor pobre. Papel higiênico, pacotes de
biscoitos, bolachas, chocolates, sabonetes e sabões em pó estão fraudados.
Mas os preços continuaram os mesmos. A esse procedimento estamos
chamando de maquiagem, mas na
realidade é um saque. E a permissibilidade é tanta que todos fizeram o acordo de preços.
Há uma ânsia nacional de moralidade. Fatos como esses não podem ser
tolerados. Eles demonstram uma insensibilidade grave e uma confiança
na impunidade para crimes de exploração dos mais fracos.
Estão furtando às famílias pobres,
pois são as que mais sentem, suas bolachas, seu leite, sabão, arroz e feijão. E
não é bandido alegando fome, mas
gente querendo mais lucro. No Nordeste se diz "tirando pão da boca de
cego".
A ética ainda não alcançou os supermercados. A coisa chegou a tal extremo que criaram a dúzia de dez ovos.
Quais os responsáveis? Não apareceram.
Deve ser a maria-mole, que perdeu
50 gramas!
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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