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FREDERICO VASCONCELOS
Obras públicas
Todo período eleitoral é rico em
lançamentos de obras de marketing político. São aqueles tratados que,
grosso modo, misturam futurologia e
ventriloquia política: especialistas interpretam as pesquisas de opinião e
orientam os candidatos a falar nos debates e programas eleitorais -aparentando grande convicção- aquilo
que os eleitores gostariam de ouvir.
A livraria Cultura, na avenida Paulista, em São Paulo, deu inspirada contribuição a esse faz-de-conta. Expôs
na vitrine, ao lado de meia dúzia de
novos livros de marketing político,
obras clássicas sobre antigas artes de
candidatos e governantes: como iludir
os incautos contribuintes e como melhor usar a máquina pública para engordar as fortunas privadas.
Próximo a uma obra reeditada sobre
persuasão eleitoral, via-se o "Sermão
do Bom Ladrão", do padre Antônio
Vieira (1608-1697). O livro transcreve
texto de santo Agostinho em que um
pirata ("ladrão pequeno") diz a Alexandre Magno: "O roubar pouco é
culpa, o roubar muito é grandeza".
É recomendável que os candidatos
meditem sobre as várias interpretações desses textos. Há passagens dedicadas à responsabilidade de quem
rouba e à de quem nomeia aquele que
rouba. Cita-se o que é praticado "em
todos os reinos do mundo". Ou seja,
"em vez de os reis levarem consigo os
ladrões ao paraíso, os ladrões são os
que levam consigo os reis ao inferno".
Supondo que o virtual candidato
acreditasse mesmo que poderia "chegar lá", a livraria, silenciosamente,
propunha a leitura de "Como Tirar
Proveito de seus Inimigos", de Plutarco (66-12 a.C.). Muito antes da era
cristã, já havia manuais ensinando a
distinguir os inimigos e a frustrar as
ciladas dos bajuladores.
Talvez pensando no eleitor entediado com a propaganda eleitoral da televisão e com os debates cronometrados, o comerciante de livros sugeria
discretamente a leitura do "Código
dos Homens Honestos", de Honoré
de Balzac (1799-1850). O livro também
é conhecido como "a arte de não se
deixar enganar pelos larápios" (e pelos burocratas e advogados, segundo
acrescentam algumas versões).
Entre uma e outra brochura sobre
estratégias para ganhar eleições, a vitrine oferecia "A Arte de Furtar", um
clássico da literatura portuguesa da fase barroca (século 18) dedicado a formas de expropriação tão atuais, como
suborno, superfaturamento e corrupção (a edição exposta tem apresentação do escritor João Ubaldo Ribeiro).
E por falar em virtuais corruptos, a
seleção literária destacava "Da Geração e da Corrupção", de Aristóteles
(384-322 a.C.), cometendo aí, talvez,
um pecadilho. Aparentemente, o livro
compunha a seleção mais pelo título
do que pelo conteúdo. A obra filosófica trata da corrupção e da geração como elementos do movimento contínuo no estudo sobre física e composição do universo. Contudo, assim como os candidatos geralmente não entregam o que prometem, não se há de
cobrar do livreiro rigorosa coerência
em todos os discursos apresentados.
Infelizmente, a divertida e didática
exposição durou poucos dias. Foi
substituída pela trivial oferta de best-sellers, os livros mais vendidos da semana. Não se sabe se houve desinteresse do público pelas estratégias dos
marqueteiros políticos. Ou se a corrupção e o engodo, de tão generalizados, já não despertam a curiosidade
de leitores e eleitores.
Frederico Vasconcelos é repórter especial. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo
de Roberto Mangabeira Unger, que escreve às
terças-feiras nesta coluna.
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