São Paulo, sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

JOSÉ SARNEY

Que cargo...

Depois que a evolução política da humanidade criou o presidencialismo como uma das mais altas conquistas da democracia, a eleição presidencial passou a ser o mais importante evento do exercício democrático.
O voto é a síntese de toda construção que se processa no sistema político. Uma eleição presidencial é uma soma de ambições, que vão das mais legítimas até a do poder partidário, que se resume no direito de proporcionar mandos menores.
Nas democracias pobres essa escolha é uma guerra que mais parece uma luta de vale-tudo. No Brasil já tivemos vários exemplos desse jogo sujo e ainda 80% da disputa giram em torno de julgamento pessoal. Um escândalo é o mais ambicionado objetivo de uma campanha presidencial.
Hoje, já aparecem para camuflar a luta presidencial algumas "propostas" pontuais, sem ainda aparecer nenhum programa sistêmico.
Mesmo nos Estados Unidos, berço do presidencialismo, com partidos históricos e consolidados, a disputa ainda tem muito de pessoal e de métodos condenáveis, sem excluir retórica suja.
Mas o cargo em si, e não a disputa, tem sido motivo de muitos estudos e análises, desde a "presidência imperial" dissecada por Arthur Schlesinger até "The American Presidency", de Clinton Rossiter, onde este sustenta "a veneração, a reverência, a autoridade e a dignidade" que o cargo possui.
A verdade é que todos os meios de controle da Presidência não foram capazes de lhe retirar a força e a autoridade absoluta, a magia que exerce sobre a sociedade.
Seu poder vai além do cargo, da pessoa, dos seus objetivos políticos, para invadir um campo de mando e um caminho para a história que, com o tempo, junta a todos num simbolismo da continuidade nacional.
Por isso a disputa é, despojada das circunstâncias do tempo em que ocorre, um momento quase sagrado na vida das nações democráticas.
Poder realizá-las como rotina é um avanço na história de um povo. Nenhum país pode ser potência econômica, militar, científica, cultural se não for uma potência institucional capaz de constituir seu autogoverno.
A periodicidade dos mandatos foi outra descoberta marcante na história dos regimes democráticos. Sem ela não existiria democracia.
Plácido Castelo, que foi governador do Ceará, numa imagem bem popular e sertaneja, dizia: "O poder democrático é uma caneta. Com ela se pode fazer tudo. Felicidade e infelicidade. Mas, no dia em que acaba a tinta, vai-se embora...
A eleição é a tinta nova."
E de novo as esperanças renascem, porque só o homem sabe o que é esperança e dela vive.


JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.

jose-sarney@uol.com.br


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Ruy Castro: Pijama & capa preta
Próximo Texto: TENDÊNCIAS/DEBATES
Maria Beatriz de Carvalho M. Lobo e Roberto Leal Lobo e Silva Filho: Redes estrangeiras e o ensino superior

Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.