UOL




São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOSÉ SARNEY

Benedita, ora pro nobis

O Brasil anda em crise de corrupção. Não falo de excesso, falo de falta. Essa impressão me dá a oração da Benedita. Foi rezar e caiu em pecado.
Sua falta só era conhecida no tempo de Henrique 4º, que teve de assistir à missa para casar com Margot. Mas, no dia seguinte, mataram os infiéis, os huguenotes.
Com Benedita não se discute com quem e para quem está rezando, mas ter rezado em Buenos Aires podendo rezar em Brasília. A situação complicou-se, e o assunto está há um mês na mídia. Sobre ele já falaram o presidente da República, o presidente do PT, o Controlador da União, o líder da maioria, o da minoria e editoriais e artigos de todos os veículos de comunicação. Eu mesmo estou entrando na onda. O vice-presidente conduziu-se com grande bravura e, em defesa, de Benedita saiu em frente: "Não rezei, mas fui o culpado. Deveria saber que ministro não pode viajar para rezar. Pago a conta". Já o Lula foi mais além: "Como é que pode alguém viajar para ir a um ato religioso?". Acho que não devemos ser tão radicais.
Vamos e venhamos -como se diz-, está havendo um certo exagero nesta exploração. Se erro Benedita teve, foi o de tentar misturar reza com desculpa de que não foi reza, o que tira o valor da reza. Esse erro é venial, em que a penitência é uma Ave-Maria e um Padre-Nosso. Ou melhor, como pena alternativa, o presidente Lula deveria aplicar-lhe, num excesso de zelo: "Rezar meia hora na catedral de Brasília e outra meia hora na Assembléia de Deus de Taguatinga".
Mas o pecado mesmo é ter ido rezar em Buenos Aires fora do santuário de N. S. de Lujan, padroeira da Argentina e santa popular.
Mas "flor", como diz a Heloísa Helena, ir uma ministra a uma reunião de oração e não representar o governo a que pertence é impossível e nada grave. Errado seria se ela fosse a uma noite de tango no Querandi ou se fosse dançar uma milonga na Recoleta. Por uma oração vai-se imolar uma vida com a biografia que a Benedita tem? Sinceramente, acho que está havendo muito fogo para pouca carne.
Eu fui a Roma ver o papa, rezei com ele. Quis mostrar minha fé. Fazer minha visita ad limina. Não me arrependo.
O erro da Benedita foi diminuir a força da sua oração. Seu problema não é a viagem, é se Deus ouviu as suas preces.
Caxias, por exemplo, não quis rezar. Ele ainda não era duque. Mas vinha dos sucessos de sua ação em Minas Gerais, e veio o bispo de Mariana com o programa de um "Te Deum" em ação de graças pela sua vitória.
Ele estava novo, ainda impetuoso, ganhando a fama de invencível com o resultado da balaiada no Maranhão, e respondeu: "Não aceito. O ofício do clero é rezar pelos mortos, e não se congratular pelo resultado de uma guerra civil, em que existem muitos corações tristes". Não quis orar. Problema dele, que não repetiu o gesto quando, vindo da vitória da batalha final da Guerra do Paraguai, foi a um "Te Deum" e, doente, compareceu e desmaiou pelos "calores de Assunção".
Com o precedente da Benedita, quem for a um culto ou missa, sendo ministro, em carro oficial, tem de depositar o preço da passagem.
É muita Controladoria da União. Estou com Benedita quando diz "quero colocar um ponto final" ou amém. Eu também.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Marcelo Beraba: O papa e o jornalista
Próximo Texto: Frases

Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.