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JOSÉ SARNEY
Benedita, ora pro nobis
O Brasil anda em crise de corrupção. Não falo de excesso, falo
de falta. Essa impressão me dá a oração da Benedita. Foi rezar e caiu em
pecado.
Sua falta só era conhecida no tempo
de Henrique 4º, que teve de assistir à
missa para casar com Margot. Mas, no
dia seguinte, mataram os infiéis, os
huguenotes.
Com Benedita não se discute com
quem e para quem está rezando, mas
ter rezado em Buenos Aires podendo
rezar em Brasília. A situação complicou-se, e o assunto está há um mês na
mídia. Sobre ele já falaram o presidente da República, o presidente do PT, o
Controlador da União, o líder da
maioria, o da minoria e editoriais e artigos de todos os veículos de comunicação. Eu mesmo estou entrando na
onda. O vice-presidente conduziu-se
com grande bravura e, em defesa, de
Benedita saiu em frente: "Não rezei,
mas fui o culpado. Deveria saber que
ministro não pode viajar para rezar.
Pago a conta". Já o Lula foi mais além:
"Como é que pode alguém viajar para
ir a um ato religioso?". Acho que não
devemos ser tão radicais.
Vamos e venhamos -como se
diz-, está havendo um certo exagero
nesta exploração. Se erro Benedita teve, foi o de tentar misturar reza com
desculpa de que não foi reza, o que tira
o valor da reza. Esse erro é venial, em
que a penitência é uma Ave-Maria e
um Padre-Nosso. Ou melhor, como
pena alternativa, o presidente Lula deveria aplicar-lhe, num excesso de zelo:
"Rezar meia hora na catedral de Brasília e outra meia hora na Assembléia de
Deus de Taguatinga".
Mas o pecado mesmo é ter ido rezar
em Buenos Aires fora do santuário de
N. S. de Lujan, padroeira da Argentina
e santa popular.
Mas "flor", como diz a Heloísa Helena, ir uma ministra a uma reunião de
oração e não representar o governo a
que pertence é impossível e nada grave. Errado seria se ela fosse a uma noite de tango no Querandi ou se fosse
dançar uma milonga na Recoleta. Por
uma oração vai-se imolar uma vida
com a biografia que a Benedita tem?
Sinceramente, acho que está havendo
muito fogo para pouca carne.
Eu fui a Roma ver o papa, rezei com
ele. Quis mostrar minha fé. Fazer minha visita ad limina. Não me arrependo.
O erro da Benedita foi diminuir a
força da sua oração. Seu problema não
é a viagem, é se Deus ouviu as suas
preces.
Caxias, por exemplo, não quis rezar.
Ele ainda não era duque. Mas vinha
dos sucessos de sua ação em Minas
Gerais, e veio o bispo de Mariana com
o programa de um "Te Deum" em
ação de graças pela sua vitória.
Ele estava novo, ainda impetuoso,
ganhando a fama de invencível com o
resultado da balaiada no Maranhão, e
respondeu: "Não aceito. O ofício do
clero é rezar pelos mortos, e não se
congratular pelo resultado de uma
guerra civil, em que existem muitos
corações tristes". Não quis orar. Problema dele, que não repetiu o gesto
quando, vindo da vitória da batalha final da Guerra do Paraguai, foi a um
"Te Deum" e, doente, compareceu e
desmaiou pelos "calores de Assunção".
Com o precedente da Benedita,
quem for a um culto ou missa, sendo
ministro, em carro oficial, tem de depositar o preço da passagem.
É muita Controladoria da União. Estou com Benedita quando diz "quero
colocar um ponto final" ou amém. Eu
também.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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