São Paulo, domingo, 24 de novembro de 2002

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CONFIANÇA CURTA

O debate entre desenvolvimentistas e monetaristas, entre os defensores do crescimento como prioridade e os advogados da estabilização de preços em primeiro lugar, ganha novas feições com a proximidade do governo Lula. Aparentemente, surge um novo consenso.
Economistas e lideranças tanto do PT quanto de outros partidos parecem prontos a acreditar na convergência entre cuidado com a inflação e apoio ao crescimento.
O amálgama desse consenso seria a recuperação da confiança dos mercados. Seguindo o modelo velho, o novo governo viria a angariar a confiança de que necessita para implementar um modelo novo.
O futuro governo seria ao mesmo tempo conservador e mudancista, ortodoxo e heterodoxo, monetarista e desenvolvimentista.
Mas é afinal a confiança na estabilidade que gera a recuperação da economia ou, ao contrário, só rompendo com a receita recessiva será possível relançar o crescimento sem risco de descontrole inflacionário?
Os economistas tradicionalmente enfrentam esse paradoxo fazendo a distinção entre pelo menos dois tipos de confiança, fundados em expectativas de curto e de longo prazo.
As expectativas de curto prazo são as que se formam no contexto das apostas diárias que dominam os mercados financeiros. As expectativas de longo prazo são as que se formam a partir de projetos de investimento nos setores produtivos.
A questão crucial, portanto, é saber se há condições para que os empresários voltem a investir em novos projetos num momento em que predomina o respeito às regras que governam o giro financeiro de curto prazo. Há poucos dias, por exemplo, o BC preferiu elevar mais os juros.
Os indicadores são pouco animadores. O investimento físico na economia brasileira deverá registrar neste ano uma queda de 3,4%, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Os gastos na construção civil, na produção e na incorporação de bens de capital ao setor produtivo caíram 5,3%.
Sem crédito externo, com o dólar caro e os juros domésticos cada vez mais altos, as empresas desistem de projetos e adiam investimentos. A prioridade é renegociar dívidas e refugiar-se no curto prazo.
Sem investimentos não há geração de mais emprego e renda. E o ajuste econômico benigno no curto prazo, que gera megassaldos comerciais, tem repousado sobre a contenção permanente do consumo e dos investimentos públicos e privados.
A transição da confiança de curto prazo para um estado de espírito voltado ao desenvolvimento é não só difícil mas fica travada pela natureza da política econômica atual.
Os instrumentos usados para recuperar a confiança no curto prazo, por paradoxal que possa parecer, podem dificultar a retomada dos investimentos. O resultado é uma confiança fragilizada.


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