São Paulo, quinta-feira, 24 de novembro de 2005 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A eminente ruptura
JOAQUIM LEVY
O gráfico ilustra a ruptura ocorrida no âmago do Estado, isto é, na dinâmica da dívida pública, que, de acordo com diversas métricas, deixou de crescer de forma explosiva. Também foi uma ruptura a notória estabilização da carga tributária federal e das despesas correntes como proporção do PIB e a drástica mudança da composição da dívida interna. O resultado foi a retomada da confiança, a redução do risco-país e o aumento em mais de 50% na taxa de criação de empregos formais. Com o compromisso fiscal bem estabelecido, a taxa de juro real de médio prazo (medida pelo prêmio nos títulos indexados à inflação, NTN-C) caiu em mais de 25%. A disciplina fiscal permitiu ao governo criar, ainda nos tempos do programa com o FMI e depois que o país superou sem sobressaltos essa etapa, um espaço fiscal que resultou em um volume de contratação de obras de saneamento em 2003-2004 maior do que nos cinco anos anteriores. Mais recentemente, houve uma forte recuperação nos recursos destinados às estradas, com praticamente 30% da Cide (tributo sobre combustíveis), ou quase R$ 2 bilhões ao ano, sendo dados diretamente aos Estados e municípios para projetos em princípio monitorados pelo Ministério dos Transportes. Como disse o ministro Palocci, com aquele desprendimento e aquela tranqüilidade que o caracterizam, esse descolamento não é o resultado da ação individual de um titular de pasta, mas reflexo do esforço de muitos em diferentes momentos nessa jornada do Brasil para a construção de um país mais honesto e eficiente. Ainda assim, além das rupturas mais proeminentes, pode-se também apontar o trabalho reconhecidamente sério no Bolsa-Família (depois de alguns percalços) e os resultados favoráveis nas exportações, no turismo e, especialmente, no crédito à habitação. Não houve rupturas em todas as áreas. Felizmente, o governo, refletindo a evolução das práticas dos últimos lustros, não se prodigalizou em benesses clientelistas, evitando, por conseguinte, algumas das antiqüíssimas formas com que o patriciado ou candidatos a tribuno em Roma já procuravam manipular os pobres e influenciar as eleições. De forma menos luminosa, incertezas talvez herdadas persistem em alguns setores. Alguns investidores, por exemplo, se indagam sobre o significado de uma empresa como a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), cujos investimentos vêm aumentando de forma vertiginosa, ter preferido passar adiante as suas participações na área de energia, vendendo-as a empresas estatais. Alguns jornalistas também sugerem um possível descompasso no acesso de ricos e pobres à telecomunicação e procuram sublinhar atrasos na concessão das estradas federais. Também há, em alguns círculos, a percepção de que a aceleração do IPA (Índice de Preços por Atacado) em 2004 poderia ter sido recorrência da antiga tendência de alguns setores quererem "tirar o atraso" nos preços assim que a demanda agregada aumenta -comportamento passível de gerar uma forte e persistente reação constritiva em qualquer gestor de política monetária, especialmente se o alcance de seus instrumentos clássicos estiver estruturalmente limitado. Mas se pode argumentar que esses seriam exemplos de ansiedades descabidas e na periferia da política econômica. Diversos indicadores sugerem, portanto, uma ruptura que se revelou positiva no desempenho da economia e que começa a se refletir na melhora das avaliações de risco e no interesse em investir no Brasil. Principalmente, sugerem haver se estabelecido um ambiente de serenidade e de previsibilidade econômica em que cada cidadão ou empresa tem mais oportunidade para fazer bem o que gosta e sabe fazer -sabidamente um importante ingrediente para a felicidade. Especificamente, o foco do principal programa social tem resultado em crescente impacto favorável no bem-estar das famílias mais pobres sem criar um risco fiscal, enquanto esse ambiente abre novas perspectivas de desenvolvimento individual e segurança econômica para a classe média (convencionalmente chamada classes C e B). Esse fenômeno resulta menos de grandes lances ou teses do que de uma estratégia clara, anunciada nos idos de agosto de 2002 e implementada com respeito, coerência, pertinácia e alguma sorte. Joaquim Vieira Ferreira Levy, 44, formado em engenharia naval, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é o secretário do Tesouro Nacional. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Roberto Romano: Imaginários golpes de Estado Índice |
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