São Paulo, sábado, 24 de novembro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

É positivo o projeto que obriga políticos eleitos a matricular seus filhos em escolas públicas?

SIM

Sete anos

CRISTOVAM BUARQUE

RECENTEMENTE na Inglaterra, uma monarquia, um de seus parlamentares foi duramente criticado pela mídia e por pares por ter confessado que seus filhos estudavam em uma escola privada. Em 2014, a República brasileira comemora 125 anos, mas continua incompleta.
Incompleta porque não conseguiu construir a causa comum de uma nação nem unificar seu povo, que continua dividido em dois lados que convivem apartados. Apesar do seu regime republicano, o Brasil ainda não é uma república no modelo social. E o principal indicador é a separação educacional, berço da desigualdade e do abismo social.
Por todo esse período, a casta dirigente prometeu que o crescimento econômico distribuiria a renda e que o desenvolvimento unificaria a nação, fazendo dela uma República. Foi uma mentira, porque a elite que substituiu a nobreza conservou todos os privilégios e continuou distante do povo.
Essa divisão social estava presente desde o início. Para representar um país com 65% da população adulta composta de analfabetos, os primeiros republicanos desenharam uma bandeira com um texto escrito. A bandeira de uma República de poucos: os que sabiam ler. De lá para cá, a porcentagem foi reduzida para 13%, mas o total de analfabetos mais que dobrou, passando de 6 milhões para 16 milhões os brasileiros incapazes de reconhecer a própria bandeira.
Essa realidade teria sido completamente diferente se o primeiro decreto republicano, assinado pelo marechal Deodoro da Fonseca em 15/11/ 1889, tivesse determinado que a educação fosse igual para todos, ricos e pobres, brancos e negros, moradores de cidades grandes ou pequenas. E que, para dar exemplo, determinasse que os filhos dos dirigentes republicanos, eleitos pelo povo, estudassem nas escolas dos filhos do povo.
Em vez disso, ao longo da gestão de 29 presidentes, a escola brasileira manteve-se dividida: a dos ricos e a dos pobres. E os parlamentares e governantes republicanos mantiveram seus filhos nas exclusivas escolas dos ricos e ainda recebem dinheiro público para pagar parte da mensalidade.
Pena que os primeiros republicanos não tenham tomado essa decisão, mas ainda é tempo. República significa escola igual para todos. Sem desculpas para que governantes fujam da escola do país que governam. Talvez, se forem obrigados a ter seus filhos na escola do povo, cuidem melhor dela. Seria moralmente correto implantar imediatamente essa decisão republicana, mas politicamente isso é impossível, por causa do vício histórico dos privilégios. Os dirigentes certamente serão contrários a isso.
Reação idêntica aconteceu a cada vez que se defendeu a abolição da escravidão. A escravidão deixou o Brasil viciado e obrigou a abolição a vir aos poucos, sempre com prazos para que seus donos se acostumassem ao que então parecia absurdo: acabar com a divisão entre escravos e livres.
Da mesma forma, hoje não é possível adotar de imediato uma escola republicana: equivalente para todos, parlamentares e seus eleitores. Diante dos vícios arraigados, é preciso dar um prazo de sete anos para essa decisão ser executada: no 125º aniversário da República, a partir de 2014.
Certamente, os líderes republicanos usarão todos os argumentos para não "condenar" os representantes do povo a colocar seus filhos na escola pública. Dirão que tira a liberdade do cidadão, mas ninguém é obrigado a ser candidato e a ter vida pública. Dirão que isso impede a educação religiosa, mas nada impede a educação religiosa em aulas especiais nas igrejas. Dirão que é anticonstitucional. Mas este é o melhor argumento para justificar a proposta: não é republicana a Constituição que impede que a escola do povo seja boa a ponto de receber os filhos dos eleitos pelo povo.
Além de fazerem um gesto republicano, do ponto de vista simbólico, os governantes certamente cuidarão melhor das escolas do povo, se forem obrigados à sua utilização. Sete anos é o prazo necessário para acalmar os vícios dos nossos republicanos e evitar um desastre similar à longa espera pela abolição.


CRISTOVAM BUARQUE, 63, doutor em economia, é senador pelo PDT-DF. Foi reitor da Universidade de Brasília (1985-1989), governador do Distrito Federal pelo PT (1995-98) e ministro da Educação (2003-04). É autor, entre outras obras, de "A Segunda Abolição".

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