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TENDÊNCIAS/DEBATES
É positivo o projeto que obriga políticos eleitos a matricular seus filhos em escolas públicas?
SIM
Sete anos
CRISTOVAM BUARQUE
RECENTEMENTE na Inglaterra,
uma monarquia, um de seus
parlamentares foi duramente
criticado pela mídia e por pares por
ter confessado que seus filhos estudavam em uma escola privada. Em 2014,
a República brasileira comemora 125
anos, mas continua incompleta.
Incompleta porque não conseguiu
construir a causa comum de uma nação nem unificar seu povo, que continua dividido em dois lados que convivem apartados. Apesar do seu regime
republicano, o Brasil ainda não é uma
república no modelo social. E o principal indicador é a separação educacional, berço da desigualdade e do
abismo social.
Por todo esse período, a casta dirigente prometeu que o crescimento
econômico distribuiria a renda e que
o desenvolvimento unificaria a nação,
fazendo dela uma República. Foi uma
mentira, porque a elite que substituiu
a nobreza conservou todos os privilégios e continuou distante do povo.
Essa divisão social estava presente
desde o início. Para representar um
país com 65% da população adulta
composta de analfabetos, os primeiros republicanos desenharam uma
bandeira com um texto escrito. A
bandeira de uma República de poucos: os que sabiam ler. De lá para cá, a
porcentagem foi reduzida para 13%,
mas o total de analfabetos mais que
dobrou, passando de 6 milhões para
16 milhões os brasileiros incapazes de
reconhecer a própria bandeira.
Essa realidade teria sido completamente diferente se o primeiro decreto republicano, assinado pelo marechal Deodoro da Fonseca em 15/11/
1889, tivesse determinado que a educação fosse igual para todos, ricos e
pobres, brancos e negros, moradores
de cidades grandes ou pequenas. E
que, para dar exemplo, determinasse
que os filhos dos dirigentes republicanos, eleitos pelo povo, estudassem
nas escolas dos filhos do povo.
Em vez disso, ao longo da gestão de
29 presidentes, a escola brasileira
manteve-se dividida: a dos ricos e a
dos pobres. E os parlamentares e governantes republicanos mantiveram
seus filhos nas exclusivas escolas dos
ricos e ainda recebem dinheiro público para pagar parte da mensalidade.
Pena que os primeiros republicanos não tenham tomado essa decisão,
mas ainda é tempo. República significa escola igual para todos. Sem desculpas para que governantes fujam da
escola do país que governam. Talvez,
se forem obrigados a ter seus filhos na
escola do povo, cuidem melhor dela.
Seria moralmente correto implantar imediatamente essa decisão republicana, mas politicamente isso é impossível, por causa do vício histórico
dos privilégios. Os dirigentes certamente serão contrários a isso.
Reação idêntica aconteceu a cada
vez que se defendeu a abolição da escravidão. A escravidão deixou o Brasil
viciado e obrigou a abolição a vir aos
poucos, sempre com prazos para que
seus donos se acostumassem ao que
então parecia absurdo: acabar com a
divisão entre escravos e livres.
Da mesma forma, hoje não é possível adotar de imediato uma escola republicana: equivalente para todos,
parlamentares e seus eleitores. Diante dos vícios arraigados, é preciso dar
um prazo de sete anos para essa decisão ser executada: no 125º aniversário
da República, a partir de 2014.
Certamente, os líderes republicanos usarão todos os argumentos para
não "condenar" os representantes do
povo a colocar seus filhos na escola
pública. Dirão que tira a liberdade do
cidadão, mas ninguém é obrigado a
ser candidato e a ter vida pública. Dirão que isso impede a educação religiosa, mas nada impede a educação
religiosa em aulas especiais nas igrejas. Dirão que é anticonstitucional.
Mas este é o melhor argumento para justificar a proposta: não é republicana a Constituição que impede que a
escola do povo seja boa a ponto de receber os filhos dos eleitos pelo povo.
Além de fazerem um gesto republicano, do ponto de vista simbólico, os
governantes certamente cuidarão
melhor das escolas do povo, se forem
obrigados à sua utilização.
Sete anos é o prazo necessário para
acalmar os vícios dos nossos republicanos e evitar um desastre similar à
longa espera pela abolição.
CRISTOVAM BUARQUE, 63, doutor em economia, é senador pelo PDT-DF. Foi reitor da Universidade de Brasília (1985-1989), governador do Distrito Federal pelo PT
(1995-98) e ministro da Educação (2003-04). É autor, entre outras obras, de "A Segunda Abolição".
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