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MARCOS NOBRE
Darwin na sala de aula
A ORIGEM DAS espécies" foi o
último grande livro científico acessível a uma pessoa
simplesmente culta. Está ao final
de uma longa linhagem que, desde
a baixa Idade Média, procurou estabelecer a autonomia e a independência da ciência em relação à política, à religião e à moral.
Ao contrário de Galileu, Darwin
não foi obrigado a abjurar seus escritos. Não por acaso, "Origem" foi
produzido e publicado no único
país liberal o suficiente para não
expulsar Karl Marx de seu território. Pela primeira vez, a disputa sobre a "verdade" de um livro não foi
decidida por instituições políticas,
econômicas, religiosas ou judiciárias, mas foi travada em grande
medida na arena pública.
Cinquenta anos depois da publicação de "Origem", a ciência já tinha se consolidado institucionalmente como conhecimento acadêmico e como aplicação tecnológica.
Mas Einstein já não falava uma linguagem acessível a qualquer pessoa culta. A ciência ganhou autonomia. Mas também se especializou.
A especialização sempre foi um
obstáculo importante para seguir o
modelo duradouro de "Origem",
em que a ciência deve justificar no
debate público sua autonomia e
sua independência.
A ciência institucionalizada procura vencer esse
obstáculo fazendo divulgação científica, mostrando os avanços tecnológicos do dia a dia como seus
feitos, usando figuras como Einstein como emblemas do gênio.
Mas o fato é que a ciência só conseguiu conquistar de fato sua autonomia porque se instalou no currículo escolar. Tendo como matriz a
Europa das últimas décadas do século 19, espalhou-se gradualmente
a prática da obrigatoriedade e da
universalização do ensino até a
adolescência. E, não menos importante, esse movimento foi concomitante à implantação progressiva
das democracias de massa.
A discussão pública sobre a origem da vida pode e deve comportar
todo tipo de posição, sem dúvida. O
essencial é que seja preservada e
fomentada a tolerância e, se possível, que se alcance uma melhoria
da qualidade do próprio debate.
Mas isso não deve ser confundido com o ensino, regulado pelo
mesmo Estado que recebe da sociedade o mandato democrático de
garantir a autonomia das instituições modernas. Não deve ser confundido com a introdução no currículo escolar de teses criacionistas
de qualquer tipo. Se isso acontecer,
desaparece a autonomia da ciência
e põe-se em risco o próprio debate
público e, no limite, a própria democracia. Antes de tudo, é isso o
que está em jogo hoje na comemoração de 150 anos desse livro extraordinário.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.
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