São Paulo, quarta-feira, 24 de novembro de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

O esperanto do pop

SÃO PAULO - Também fui lá, para ver Paul McCartney. Apesar dos transtornos da chuva, apesar das duas horas no trânsito para chegar ao estádio, devo dizer: gostei!
Todo mundo pelo jeito gostou. Mas por quê? Se o mundo fala na língua do pop há 50 anos, McCartney é o esperanto dessa cultura.
Sua música nos soa imediatamente reconhecível e universal, como um idioma reduzido a seus elementos mais simples e essenciais, livre de maneirismos, dialetos ou desvios -uma língua depurada da tralha e das distorções que a hegemonia pop no mundo produziu em cinco décadas de som e fúria.
Voltamos, de certa forma, no tempo. Mas se trata menos de uma nostalgia dos anos 60 do que da sensação de estar redescobrindo o apelo ecumênico da gramática pop, plasmada naquelas canções que projetaram o nosso mundo.
"Eleanor Rigby", "Hey Jude", "The Long and Winding Road", "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band", "Let it Be" -só havia joias nesse baú. E tudo no show soava familiar. Numa inusitada comunhão etária, milhares de pessoas, dos 16 aos 80 anos, estavam "em casa" ouvindo as canções dos Beatles.
O próprio McCartney, naquele suspensório, o ar simpático e bonachão, o olhar de cachorro inglês abandonado (tipo cocker spaniel), poderia ter 16 ou 80 anos.
Apesar de ser quem é, ele se esforça para seduzir o público com as armas convencionais do showbizz. Faz graças no palco e ensaia frases em português, depois de lê-las no chão -"tudo bem, paulistas?"; "Brasil, terra da música linda". O público gosta e retribui como pode -os celulares luminosos, além de filmar tudo, agora fazem a função dos isqueiros. Sinal dos tempos.
McCartney, o apolíneo, o mais comportado, o mais comercial dos Beatles, nunca radicalizou, como Lennon e Harrison, nem sucumbiu ao sucesso. Nisso também encarna o esperanto da nossa época. Não deve ser fácil sobreviver ao fato de ser mais famoso que Jesus Cristo.


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