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FERNANDO DE BARROS E SILVA
O esperanto do pop
SÃO PAULO - Também fui lá, para
ver Paul McCartney. Apesar dos
transtornos da chuva, apesar das
duas horas no trânsito para chegar
ao estádio, devo dizer: gostei!
Todo mundo pelo jeito gostou.
Mas por quê? Se o mundo fala na
língua do pop há 50 anos, McCartney é o esperanto dessa cultura.
Sua música nos soa imediatamente reconhecível e universal, como um idioma reduzido a seus elementos mais simples e essenciais,
livre de maneirismos, dialetos ou
desvios -uma língua depurada da
tralha e das distorções que a hegemonia pop no mundo produziu em
cinco décadas de som e fúria.
Voltamos, de certa forma, no
tempo. Mas se trata menos de uma
nostalgia dos anos 60 do que da
sensação de estar redescobrindo o
apelo ecumênico da gramática
pop, plasmada naquelas canções
que projetaram o nosso mundo.
"Eleanor Rigby", "Hey Jude",
"The Long and Winding Road",
"Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club
Band", "Let it Be" -só havia joias
nesse baú. E tudo no show soava familiar. Numa inusitada comunhão
etária, milhares de pessoas, dos 16
aos 80 anos, estavam "em casa" ouvindo as canções dos Beatles.
O próprio McCartney, naquele
suspensório, o ar simpático e bonachão, o olhar de cachorro inglês
abandonado (tipo cocker spaniel),
poderia ter 16 ou 80 anos.
Apesar de ser quem é, ele se esforça para seduzir o público com as
armas convencionais do showbizz.
Faz graças no palco e ensaia frases
em português, depois de lê-las no
chão -"tudo bem, paulistas?";
"Brasil, terra da música linda". O
público gosta e retribui como pode
-os celulares luminosos, além de
filmar tudo, agora fazem a função
dos isqueiros. Sinal dos tempos.
McCartney, o apolíneo, o mais
comportado, o mais comercial dos
Beatles, nunca radicalizou, como
Lennon e Harrison, nem sucumbiu
ao sucesso. Nisso também encarna
o esperanto da nossa época. Não
deve ser fácil sobreviver ao fato de
ser mais famoso que Jesus Cristo.
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