São Paulo, terça-feira, 24 de dezembro de 2002

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MINISTÉRIO SEM SURPRESAS

O fracasso dos entendimentos para que o PMDB participasse do governo de Luiz Inácio Lula da Silva acabou determinando um perfil de ministério mais petista. Dos 29 nomes indicados pelo presidente eleito para cargos de primeiro escalão, mais da metade (16) é composta por políticos filiados ao Partido dos Trabalhadores.
Esse viés partidário na distribuição dos cargos confirma os temores prenunciados após a notícia da ausência peemedebista do governo. Sem a cúpula do PMDB nomeando ministros, o ganho que o presidente eleito obtém na coesão e na imagem de sua equipe convive com uma perda: agora só resta a Lula equacionar o problema da maioria parlamentar no varejo quase sempre instável do Congresso Nacional. Outras duas preocupações suscitadas por esse primeiro ministério com maior dominância petista -de que tenderia a compor uma gestão mais à esquerda e pouco experiente- ficam matizadas numa análise qualitativa dos indicados.
Na lista de Lula há, decerto, poucos futuros ministros que já adquiriram luz própria na política brasileira ou que são tidos como personalidades notáveis em seu setor de atuação. Entre as exceções estão Ciro Gomes (Integração Nacional), Cristóvão Buarque (Educação) e Henrique Meirelles (Banco Central).
Houve nítida preocupação de nomear pessoas que, a partir da vivência no setor em que atuarão, já se haviam convertido em políticos. São poucas as exceções a essa tendência, a mais notável delas sendo a indicação, para a Fazenda, de Antonio Palocci Filho, que nunca atuou na área econômica. Palocci, aliás, é um emblema de dois outros aspectos do ministério Lula: predomina o perfil político (contra o tecnocrático), com destacada presença de parlamentares; e, entre os petistas, o esquerdismo fica bastante matizado, seja pela prevalência de personalidades "centristas" nos postos-chave, seja pela designação dos poucos nomes mais "radicais" para as franjas do ministério.
Não se pode dizer, portanto, que a equipe anunciada por Lula tenha representado novidade, positiva ou negativa, diante das reiteradas mensagens de moderação e de "diálogo" que vêm sendo transmitidas desde a campanha eleitoral. Os nomes não destoam das expectativas em se tratando da vitória de uma chapa de centro-esquerda num contexto de dependência financeira extremada.
O desenrolar do governo será capaz de responder à dúvida mais importante sobre a equipe de Lula: a de como vai se dividir de fato o poder no âmbito do Executivo. Sob Fernando Henrique Cardoso, a tríade Fazenda-Receita-BC, naturalmente forte em qualquer governo, ocupou o espaço central das decisões.
Nada até agora sugere que, ao menos em seu início, a gestão petista vá alterar esse formato. Note-se que a constituição da equipe econômica de Lula segue uma lógica particular, em que o próprio conteúdo petista é matizado. A escalação de Palocci (do qual se diz que "conquistou" a confiança do mercado financeiro), a nomeação de um ex-presidente do BankBoston para o Banco Central, a intenção de manter os atuais diretores do BC e a notícia de que o formulador da Fazenda será um economista ortodoxo do Rio de Janeiro são sintomáticas desse fenômeno.
Para além da equipe econômica, no entanto, ainda não se consegue vislumbrar entre os nomeados por Lula aquele pequeno grupo de pessoas -que associam liderança, visão estratégica e alta capacidade de formular respostas aos desafios da gestão- que normalmente dá direção a um governo. Sem esse elemento que a partir do centro hierarquiza e harmoniza ações do Executivo, a inércia tende a fazer com que segmentos da máquina pública ganhem autonomia indesejada e que sejam permeáveis demais a interesses particulares, corporativos ou não. O que está em jogo, enfim, é o próprio estilo de comando de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência, cujos contornos ainda estão por se definir.


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