São Paulo, terça-feira, 24 de dezembro de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O terceiro setor no novo Brasil
EVELYN BERG IOSCHPE
A consciência de que "assim não dá mais" oportunizou a inclusão de novos atores sociais, quebrando hierarquias que pareciam tão cristalizadas quanto as castas da antiga Índia. As elites foram obrigadas a enxergar seu entorno, entender o impacto da sua presença na comunidade e gerar a mudança. Não é mais possível viver no país de faz-de-conta, no segmento "Bélgica" daquela "Belíndia" cunhada por um economista de então, até porque essa Bélgica ficou cada vez menor e mais encastelada em privilégios de difícil desfrute, e a Índia passou a se mostrar cada vez mais ameaçadora. A sociedade parece ter reconhecido que essas são metades da mesma laranja e que, se uma estiver podre, vai acabar fazendo a outra apodrecer também. O ingresso das empresas na busca de soluções para o difícil social, portanto, não é apenas uma novidade a festejar por seu ineditismo, mas também por sua eficiência. Ao lançar um olhar mais agudo sobre essa realidade, o setor empresarial brasileiro conseguiu gerar soluções eficazes e que buscam escala, visando afetar as políticas públicas. Quero falar aqui sobre esse novo conceito de "franquia social sem fins lucrativos", que gera capital social ao multiplicar benefícios. A Fundação Ioschpe foi pioneira na introdução do conceito para ampliar a repercussão de suas escolas técnicas instaladas em empresas, as Formare, hoje 38 unidades disseminadas pelo Brasil. Trata-se de um trabalho realizado por funcionários voluntários que educam, com orientação do Centro Federal de Educação Tecnológica do MEC, atingindo os alunos mais pobres das periferias urbanas. A cada empresário que adere à iniciativa, gera-se capital social: o mesmo equipamento que já estava nas fábricas, o mesmo funcionário que também estava lá e a mesma periferia pobre de repente não são mais os mesmos, porque interagem, porque se tornam mutuamente responsáveis. É este novo senso de responsabilidade que o empresário brasileiro vinha evidenciando ao longo da década e que gerou um terceiro setor pujante e representativo em nosso país, que também mudou a agenda política, fazendo eleger o representante histórico dos que estavam "do outro lado". O pacto que será celebrado a partir dessa nova realidade está por ser definido e depende de um mundo de fatores. O que parece irreversível é a consciência gerada de que não há um outro lado da mesa -ou, se há, ele é alternativo e mutável. Estamos, afinal, todos do mesmo lado. Lula vai começar a governar assentado sobre uma imensa novidade: nunca tantos estiveram do mesmo lado, querendo que dê certo. Esse é o fermento com o qual se cria capital social, e vivemos um momento de esperança como poucos na história brasileira. O fim melancólico dos anos FH passam despercebidos ante a excitação pelo Ano Novo, vida nova que se anuncia. Talvez o que perpasse a população, depois de oito anos de medidas provisórias ditadas de cima para baixo, seja a sensação de que, afinal, vamos poder desenhar o Brasil de nossos sonhos, o Brasil da utopia, um Brasil para todos os brasileiros. O tamanho da esperança também é o tamanho da possibilidade da decepção. E a possibilidade da decepção desta sociedade civil articulada tem uma dimensão que, hoje, ninguém conhece. São muitos novos fatores sobre os quais há que refletir nesta virada de ano. Em 2003 não seremos os mesmos. Evelyn Berg Ioschpe, 54, socióloga e jornalista, é presidente da Fundação Ioschpe e do Instituto Arte na Escola. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Eusébio Oscar Scheid: Experiência de Natal Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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