São Paulo, terça-feira, 25 de janeiro de 2005

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CARLOS HEITOR CONY

De Proust a Agnaldo Timóteo

RIO DE JANEIRO - O amigo admite: "Eu fazia um péssimo juízo de mim mesmo. Julgava-me um idiota desde os 15 anos, quando tentei ler Proust. Nunca ia além da página 50 ou 60. No Carnaval passado, decidi fazer uma higiene mental, apanhei o Proust e, maravilha, devorei os sete volumes, devagarinho. Agora posso me olhar no espelho".
Milhares de leitores tiveram experiência igual: forçaram a barra antes do tempo e empacaram. É preciso que tenha acontecido poucas e boas em nossa vida pessoal.
Pensando bem, o caso de Proust, com variantes, pode ser aplicado a qualquer autor que tenha se dedicado aos labirintos do homem. Machado de Assis me vem logo à memória.
Pulando de Proust e Machado para autores mais atuais, gostaria de falar em Agnaldo Timóteo, que não chega a ser autor, embora seja de sua autoria um episódio que escandalizou a nação. Ao estrear na tribuna da Câmara dos Deputados, em Brasília, faz tempo, creio que uns 20 anos, foi pichado por editoriais e cronistas da grande imprensa. Chegaram a falar em falta de decoro parlamentar, em necessária cassação de seu mandato.
Não votara nele, mas curti adoidado sua ida à tribuna, com telefone à mão, pedindo a bênção de sua mãe para o instante em que inaugurava um momento que ele julgava importante em sua trajetória individual.
O presidente da Casa (não lembro quem era) espinafrou-o soberanamente, baseado no regimento interno. De minha parte, fiquei emocionado com o espalhafatoso cantor de voz possante, repertório cafona, menino pobre que deu duro para chegar a algum lugar.
Ele prestou, à sua maneira, homenagem ao Poder Legislativo e ao ofício de deputado, que andavam por baixo. Havíamos atravessado anos de arbítrio e, com as exceções de praxe, o Legislativo habituara-se às humilhações do Executivo.
De repente, um homem simples é eleito, vai à Câmara e seu primeiro gesto é pedir a bênção de sua mãe. Senti que alguma coisa ficou faltando em Proust e em Machado de Assis.


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