São Paulo, quarta-feira, 25 de janeiro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Vocação de São Paulo

ROBERTO LUIS TROSTER

O empreendedorismo paulistano sempre teve uma influência decisiva no crescimento nacional. No Brasil colonial, as bandeiras tinham sua base aqui, desbravaram o território brasileiro e expandiram suas fronteiras. Posteriormente, durante o império, a capital do café difundiu dinamismo a outras regiões e criou as condições para o surgimento de um parque industrial que teve um papel chave no século passado.


São Paulo apresenta um potencial de centro financeiro da América do Sul. Mas tem certas desvantagens


A conglomeração de atividades em uma localidade causa um processo que se auto-alimenta, atraindo mais empreendimentos que querem usufruir de seus benefícios, além de gerar demanda por outros produtos e serviços que são propagados por toda a economia. Observou-se esse fenômeno na história paulistana e, atualmente, pode estar se abrindo um novo ciclo, em que o setor bancário tem o papel principal.
O setor financeiro mundial está vivendo um processo de consolidação, se concentrando espacialmente em algumas cidades, como Nova York, na América do Norte, Hong Kong e Tóquio, na Ásia, e Frankfurt e Londres, na Europa. A proximidade de bancos gera complementaridades e apresenta benefícios nos relacionamentos entre as instituições, na contratação de mão-de-obra e na compra de insumos -além, é claro, de criar vantagens para o país-sede: mais investimentos, maior geração de riquezas, mais empregos etc.
São Paulo apresenta um potencial de centro financeiro da América do Sul. Está bem localizada, dispõe de uma infra-estrutura conveniente: aeroportos, hotéis, telefonia etc., e concentra a atividade financeira brasileira. A quase totalidade dos bancos privados nacionais, bem como outras instituições complementares -a Bovespa, a BM&F, as clearings de ativos e câmbio e a Câmara Interbancária de Pagamentos-, têm sua sede na capital paulistana.
O sistema de pagamentos brasileiro é dos mais eficientes do mundo. Ilustrando o ponto, uma TED entre São Paulo e Santarém permite transferir recursos em poucos minutos e, apesar de sua complexidade -envolve tecnologia avançada, criptografia, transporte, segurança, estrutura física, câmaras de compensação, mão-de-obra qualificada etc.-, custa aqui, em média, 11 reais, um quarto do que custaria no exterior.
O setor bancário nacional é sofisticado e, diferentemente do de outros países, evoluiu em um ambiente econômico turbulento, com inflação galopante e volatilidade macroeconômica elevada, mas, mesmo assim, conseguiu conceder crédito, rolar a dívida pública, evitar a dolarização da economia, preservar a poupança nacional e desenvolver sistemas de pagamentos, bolsas de negociação, derivativos financeiros e câmaras de compensação e liquidação eficientes e seguras.
São Paulo tem, porém, certas desvantagens. O quadro institucional em que está inserida é, em alguns aspectos, obsoleto. A dificuldade em executar contratos, a estrutura normativa defasada, a indefinição na competência concorrente de órgãos subnacionais, a morosidade e a politização de decisões do Judiciário, algumas sentenças impondo o descasamento de moedas, o abuso de expedientes protelatórios e o excesso de formalismo criam custos desnecessários para a intermediação financeira local.
A maior desvantagem é a tributação. Impostos sobre operações em bolsa de valores deslocaram operações e empregos da Bovespa e do resto do mercado de capitais para o exterior, principalmente para Nova York. No setor bancário, os depósitos compulsórios -os mais altos do mundo- e CPMF, PIS, Cofins, IOF, IRF e FGC encarecem o crédito e inviabilizam sua expansão sustentada. A relação crédito/PIB do Brasil é baixa quando comparada com a de outros países, e muito baixa se levarmos em conta sua potencialidade.
A soma dos prós e contras faz com que São Paulo seja a matriz de decisões de algumas instituições e linhas de produtos financeiros para toda a América Latina, mas não de todas.
Entretanto, não é algo definitivo. O continente está mudando a passo acelerado, e as multinacionais ajustam com freqüência suas estruturas organizacionais para a adequação mais conveniente às transformações.
Outros países latino-americanos têm aspirações de desenvolver centros financeiros em seu próprio território e estão tomando as atitudes necessárias. Estão adotando políticas pró-ativas com esse objetivo: modernizando seu quadro regulatório, racionalizando os procedimentos legais, aumentando a previsibilidade de conflitos judiciais, criando condições para acelerar as decisões dos tribunais, eliminando os depósitos compulsórios, racionalizando a tributação, adequando a legislação trabalhista e investindo em infra-estrutura.
Uma política bancária adequada pode aumentar os prós e eliminar os contras para tornar São Paulo a capital bancária continental. A modernização do ambiente legal e tributário do setor financeiro ajudaria a expandir o crédito internamente, bem como serviria para atrair mais empresas de outros setores. Com isso, seriam gerados mais empregos, criados mais empreendimentos e atraídos outros investimentos para o Brasil.
É uma oportunidade para que São Paulo exerça plenamente sua vocação.

Roberto Luis Troster, 55, doutor em economia pela USP, professor titular do Departamento de Economia da PUC-SP, é o economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos).


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