São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2009

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Entre caciques


Disputa por presidências da Câmara e do Senado evidencia a fragilidade da lógica partidária na vida política brasileira


O ASSUNTO, reconheça-se, desafia a paciência até dos politicólogos mais obsessivos. A dupla eleição que mobiliza os partidos em Brasília -no próximo dia 2 estarão em jogo as presidências do Senado e da Câmara dos Deputados- parece desenvolver-se, como nunca, numa redoma incapaz de atrair a atenção mais ampla dos cidadãos.
O tema crucial da ética na política esteve em pauta, não faz muito tempo, a propósito dos mesmos cargos que hoje se disputam. A renúncia de Severino Cavalcanti -em 2005 na Câmara- e a absolvição de Renan Calheiros -dois anos depois no Senado- produziram movimentos de interesse e indignação.
Sem cercarem-se da mesma aura negativa, José Sarney (PMDB-AP) desponta como favorito para a presidência do Senado, e Michel Temer (PMDB-SP) sobressai na Câmara. A sucessão de Arlindo Chinaglia (PT-SP) e de Garibaldi Alves (PMDB-RN), de todo modo, não desperta maiores atenções do eleitorado.
Nem por isso se trata de uma sucessão burocrática. Nos bastidores da disputa, ensaia-se o jogo de 2010, no qual uma aliança com o PMDB pode interessar tanto uma candidatura governista como uma de oposição.
No Senado, contra a candidatura do petista Tião Viana, fortalece-se o nome de José Sarney, em cujo peemedebismo se resumem tanto as proximidades de longa data com o Planalto quanto um histórico de amargura contra José Serra, principal nome do PSDB na corrida pela Presidência da República, e que por isso mesmo tem-se empenhado em ampliar seu arco de alianças.
Na Câmara, um neogovernista como Michel Temer tem a enfrentá-lo um deputado sem dúvida confiável para o Planalto, Aldo Rebelo (PC do B-SP). A natureza das eleições de 2010, para nada dizer do peso da bancada peemedebista, inclina os prognósticos em favor de Temer, embora comecem a surgir especulações acerca da solidez de seus apoios num pleito com muitos candidatos, muitos eleitores (513 deputados) e muitas variáveis.
O governo Lula se vê, assim, interessado ao mesmo tempo em cortejar o PMDB -que por sua vez é assediado por outro político tucano com ambições presidenciais, Aécio Neves- e em sustentar um candidato petista no Senado. Na Câmara, a situação se repete, em desfavor de um diligente pecedobista.
Resulta desse episódio, algo cômico, o desbaratamento da própria lógica partidária num confronto que mais vale classificar como de caciques: Lula, Aécio Neves, Serra e Sarney ajustam desavenças e ambições, enquanto se desencontram um PMDB sem rumo, um PT que mal sobrevive à sombra do Planalto e um PSDB cronicamente cindido no personalismo de suas alternativas presidenciais.
Não admira que esse intrincado xadrez de conveniências e de intrigas desperte poucas atenções da sociedade.
A política, aqui, só remotamente se liga a qualquer valor doutrinário ou perspectiva de Estado: gira em torno de si mesma e torna-se domínio quase exclusivo de profissionais.


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