São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2001

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MEDO DE CRESCER

O medo de crescer é uma fobia típica de autoridades monetárias. Em países como o Brasil, sob o monitoramento do Fundo Monetário Internacional, soma-se à cautela monetarista uma perversa transferência de renda para os setores beneficiados pela ciranda financeira.
Nos últimos meses, as contas públicas produziram superávit. Pressões de custo foram absorvidas pelo sistema de preços. A taxa de câmbio sofreu desvalorização, refletindo o mau desempenho das exportações brasileiras. Nem assim a inflação tornou-se ameaçadora.
Em condições normais, um governo aproveitaria esses progressos para reduzir mais os juros e implementar políticas de desenvolvimento. A equipe econômica do governo Fernando Henrique Cardoso, encabeçada por Pedro Malan e Armínio Fraga, não pensa assim. Como os fatos dificultam a justificação do seu conservadorismo, as autoridades voltaram a criar fantasmas ideológicos e a elaborar conceitos supostamente complexos de macroeconomia.
A prática foi ao paroxismo com Gustavo Franco, que chegou a produzir textos de entonação acadêmica sobre o "atraso bananal" como resposta aos críticos do atraso cambial. Com Francisco Lopes, o hábito teve um momento surrealista, com a "banda diagonal endógena". Com Armínio Fraga, a imaginação endereça-se para a noção de "produto potencial". O Banco Central já programa seminário internacional sobre o tema. Muita tinta já foi gasta para tentar dar objetividade ao mito de um "teto" para o crescimento.
Na tradição monetarista, toda a sofisticação serve no final ao imperativo de facilitar a gestão do "statu quo" e de imobilizar políticas de desenvolvimento econômico. Em uma de suas versões mais populares, essa ideologia econômica imagina que "forçar" o crescimento, desequilibrando o mercado de trabalho, traria pressões salariais e, portanto, levaria mais à inflação do que a um crescimento real da economia.
É uma visão estática dos mercados. Afinal, o crescimento sustentável não é o que gera pressões insuportáveis de demanda, mas o que induz, com planejamento e investimentos estratégicos, aumentos da oferta de bens, serviços e competências. O monetarista, no entanto, tem horror ao planejamento, vê na ação do Estado apenas uma indução à corrupção e aos desperdícios.
Pior, apesar de querer basear-se em pesquisas empíricas, o monetarista sempre prefere suas teorias quando elas são contrariadas pelos fatos. Nos EUA, por exemplo, fracassaram as tentativas de fazer política econômica com metas monetárias. Mais recentemente, a relação supostamente estável entre crescimento e inflação, superada pela realidade do crescimento prolongado, colocou em xeque os ortodoxos.
No Brasil, infelizmente, os discípulos dessa ideologia econômica costumam ser mais fervorosos que seus próprios mestres. Neste momento, em que ganha força na sociedade a consciência de que não basta a estabilização sem desenvolvimento, os herdeiros do monetarismo procuram resistir, com medo de crescer.


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