São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 2001

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Tráfico e exploração de pessoas

WÁLTER FANGANIELLO MAIEROVITCH

O lucro com o tráfico de pessoas varia de US$ 7 milhões a US$ 13 milhões por ano. É gerenciado pelas diversas máfias, pelas tríades chinesas e pela japonesa Yakuza. As execuções, por terra e por mar, das ações de deslocamento de clandestinos são terceirizadas para bandos armados. Destacam-se os bandos de albaneses, turcos, montenegrinos, argelinos, marroquinos, cazaques, birmaneses e ucranianos.
Nos últimos dez anos, o tráfico de imigrantes cresceu 400%. Até africanas do Togo foram encontradas na Geórgia.
No momento, existem mais de 200 milhões de imigrantes clandestinos. Parte desse contingente é mantida sob o controle da criminalidade organizada. Temendo o retorno aos países de origem, os imigrantes ficam confinados em espaços territoriais controlados pelas associações delinquentes.
Em janeiro passado, uma nigeriana que não mais se lembrava da idade -aparentava ter uns 16 anos- acabou resgatada em Milão. Tinha sido vendida três vezes em pouco mais de dois anos. Havia passado, após deixar a Nigéria, pelo Marrocos, pela Espanha, pela França e pela Itália.
Na China, há pouco, o general Ji W. Shengde, chefe do serviço de inteligência, foi condenado a 15 anos de prisão fechada. Favorecia o "boss" Lai Changxing, nascido em Taiwan e "capo" da tríade de Hong Kong. O referido Changxing está hoje no Canadá, que, como o Brasil, foi eleito um dos esconderijos da predileção de mafiosos potentes. No Canadá, a extradição é de difícil concessão e os mafiosos têm a garantia de prisões especiais, mantidas em desapropriados clubes de campo.
Em Xangai, o bando Sun Yee On (Paz aos Justos), um dos braços das tríades, explora jovens prostitutas em regime itinerante. São também traficadas para Macau e para a Europa. Quando enviadas aos EUA e ao Canadá, assumem uma dívida no valor de US$ 45 mil.
É evidente que a imigração ilegal não representa um fenômeno novo. A novidade, no entanto, deriva do controle e da exploração das internacionais criminosas. E alguns indicativos desse controle mafioso já foram desprezados pela comunidade internacional. Basta recordar os 58 chineses mortos, encontrados em um caminhão frigorífico prestes a atravessar o canal da Mancha. Ou ainda, em outubro de 99, os curdos, iraquianos, turcos, cosovares, paquistaneses e albaneses que, à noite, foram jogados no mar Adriático, devido à aproximação de um barco da Guarda Costeira.


Depois do narcotráfico e da venda ilegal de armas, a prostituição é a maior fonte de renda do crime organizado
Diante de tal situação a prostituição feminina cresceu e os tradicionais "trottoir" e meretrícios mudaram de características. O gigolô virou ficção, como se fosse uma pessoa jurídica, com razão social (tríades chinesas, máfias) e nome de fantasia (Sun Yee On, Cosa Nostra). Convém observar que, depois do narcotráfico e da venda ilegal de armas, a prostituição é a maior fonte de renda do crime organizado. Representa um pedaço do mercado relativo ao tráfico de seres humanos.
E a prostituição passa por quarteirões, estradas e praças controlados pelas associações criminosas. Também por estabelecimentos luxuosos: em alguns hotéis, as imagens de garotas de programa são exibidas pela Internet, com pedidos on line e reservas por e-mail.
O ganho obtido nessa atividade fica quase todo com a organização criminosa, que fornece comida, roupas exóticas e, muitas vezes, cama em quarto coletivo. E a organização criminosa delas retira a liberdade de locomoção.
Na Europa Ocidental, as prostitutas catalogadas como extracomunitárias provêm de diversas localidades: 48% vêm do Leste Europeu; 22%, da África; 19%, da Ásia; 10%, da América do Sul; e 1%, da América Central e do Caribe.
Enquanto isso tudo ocorre, busca-se internacionalmente uma solução. E largo passo foi dado na recentíssima celebração da Convenção das Nações Unidas sobre Crime Transnacional, integrada pelos protocolos sobre tráfico de seres humanos e de imigrantes. O principal, no entanto, é o ataque à economia movimentada pelo crime organizado; não, evidentemente, a elaboração de leis nacionais atingindo, com expulsões, os explorados e os desfrutados.


Wálter Fanganiello Maierovitch, 53, é juiz aposentado do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais Giovanni Falcone e professor visitante da Universidade Georgetown, de Washington (EUA). Foi secretário nacional antidrogas da Presidência da República

(1999-2000).


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