|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
Tarados e vampiros
RIO DE JANEIRO - Tarados, sempre os houve. No Velho Testamento, há
aquela história dos dois velhinhos que iam espiar a casta Suzana tomar
banho. Um dia não aguentaram, pularam o muro e foram violentá-la.
Suzana, sendo a casta, gritou e impediu que os velhinhos saciassem aquilo que os autores de má literatura, como eu, chamam de "bestiais instintos".
Ao longo da história, tivemos tarados piores e mais bem sucedidos, mas
nada que se compare com a atual safra de pedófilos, voyeuristas, esquartejadores de mulheres, pornonautas etc. É raro o dia em que não apareça
um, de diferentes faixas etárias e econômicas, provando que a tara independe da idade e do dinheiro.
Já li em algum lugar que todos somos tarados de uma forma ou de outra e, numa variante dessa informação, que cada um tem a tara que merece. Ou que nos merece.
Acredito que nem todas as taras sejam hediondas. A do vampiro de
Düsserdolf, que resultou num clássico
de Fritz Lang e deu fama a Peter Lorre, era hedionda na execução, mas
edificante na formação. Inspirada
numa história real, além de provocar
o filme provocou alguns estudos psicanalíticos, entre os quais o de Ludwig Bertmuller, que causou mais escândalo do que o próprio vampiro.
Bertmuller diz que o tarado vivido
por Peter Lorre era um puro, um anjo
de carne e alma, fascinado pela inocência das meninas. Atraía-as com
brinquedos ou balas, deliciava-se
com a pureza delas -oásis floridos
no pântano da miséria humana. De
súbito, o vampiro descobria nelas um
olhar, um gesto, uma inflexão na voz
que revelava a matéria impura que
traía o pântano de onde vinham ou
para onde iriam.
Decepcionado, traído em seu encantamento diante da pureza que
julgara absoluta, o vampiro não tinha alternativa. Era, assim, um enamorado da virtude e assumira o compromisso de impedir que a virtude se
tornasse vício.
Podemos entender os tarados, mas
não absolvê-los.
Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Reformando a casa Próximo Texto: Roberto Mangabeira Unger: Como quebrar o Brasil Índice
|