UOL




São Paulo, terça-feira, 25 de fevereiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CARLOS HEITOR CONY

Tarados e vampiros

RIO DE JANEIRO - Tarados, sempre os houve. No Velho Testamento, há aquela história dos dois velhinhos que iam espiar a casta Suzana tomar banho. Um dia não aguentaram, pularam o muro e foram violentá-la. Suzana, sendo a casta, gritou e impediu que os velhinhos saciassem aquilo que os autores de má literatura, como eu, chamam de "bestiais instintos".
Ao longo da história, tivemos tarados piores e mais bem sucedidos, mas nada que se compare com a atual safra de pedófilos, voyeuristas, esquartejadores de mulheres, pornonautas etc. É raro o dia em que não apareça um, de diferentes faixas etárias e econômicas, provando que a tara independe da idade e do dinheiro.
Já li em algum lugar que todos somos tarados de uma forma ou de outra e, numa variante dessa informação, que cada um tem a tara que merece. Ou que nos merece.
Acredito que nem todas as taras sejam hediondas. A do vampiro de Düsserdolf, que resultou num clássico de Fritz Lang e deu fama a Peter Lorre, era hedionda na execução, mas edificante na formação. Inspirada numa história real, além de provocar o filme provocou alguns estudos psicanalíticos, entre os quais o de Ludwig Bertmuller, que causou mais escândalo do que o próprio vampiro.
Bertmuller diz que o tarado vivido por Peter Lorre era um puro, um anjo de carne e alma, fascinado pela inocência das meninas. Atraía-as com brinquedos ou balas, deliciava-se com a pureza delas -oásis floridos no pântano da miséria humana. De súbito, o vampiro descobria nelas um olhar, um gesto, uma inflexão na voz que revelava a matéria impura que traía o pântano de onde vinham ou para onde iriam.
Decepcionado, traído em seu encantamento diante da pureza que julgara absoluta, o vampiro não tinha alternativa. Era, assim, um enamorado da virtude e assumira o compromisso de impedir que a virtude se tornasse vício.
Podemos entender os tarados, mas não absolvê-los.


Texto Anterior: Brasília - Eliane Cantanhêde: Reformando a casa
Próximo Texto: Roberto Mangabeira Unger: Como quebrar o Brasil
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.