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TENDÊNCIAS/DEBATES
Rigor na dose certa
JOSÉ SERRA
Defendo a alteração do ECA quanto às infrações mais graves, para que, nesses casos, a internação possa atingir ao menos 10 anos
HÁ QUEM pense que, antes (ou
em vez) de aperfeiçoar a luta
contra o crime, o Estado deve
combater as causas sociais da delinqüência. Mas essa idéia parte de um
pressuposto errôneo, segundo o qual
somente uma reforma social pode reduzir a criminalidade. Até materializá-la, cruzemos os braços.
Tal idéia tem efeito paralisante,
pois leva à conclusão fatalista de que,
enquanto não houver substancial
mudança nas condições sociais brasileiras, a violência é um preço obrigatório a ser pago de maneira aleatória.
Além disso, pobreza não se associa
necessariamente à criminalidade. É
claro que a exclusão social tem de ser
combatida e será sempre mais eficaz
responder à violência num ambiente
de mais justiça. Mas não vamos confundir eventos correlacionados com
causas e efeitos. A causa da violência
não é a pobreza, e os pobres honestos,
que são a esmagadora maioria, sabem
disso. O aumento do bem-estar social
merece nosso esforço, sendo nossa
principal meta de governo -e esse
bem-estar será tanto maior quanto
mais combatermos a violência.
Embora as circunstâncias sociais
influenciem nos motivos e no modo
como o crime se realiza, elas não determinam, propriamente, que ele será cometido. Há, por exemplo, o crime organizado, não raro obra de homens espertos que desejam ampliar
suas posses e posição na sociedade.
Já passa da hora de enfrentar de
modo mais adequado um dos aspectos mais inquietantes da criminalidade contemporânea e prever punição
adequada para os jovens excepcionalmente violentos, cuja idade não os
priva de enorme competência para
agredir a sociedade. A lei deve permitir que sejam afastados do convívio
social por um tempo proporcional ao
que hajam feito e ao risco que apresentam para a segurança pública.
Tendo sido excluído, entre nós, do
direito penal, o adolescente infrator
está sujeito a um regime que suprime
transitoriamente sua liberdade para
educá-lo, protegê-lo e proteger a sociedade. Nesse aspecto, o sistema em
vigor é menos moderno que se supõe.
Filiado a idéias tradicionais, nunca
superou sem traumas o teste da experiência, pois, aqui e em toda parte,
uma unidade de internação de infratores é uma realidade institucional
difícil, que, muitas vezes, não impede
a expansão de perversões morais.
O fato é que a Constituição proíbe a
punição criminal do menor de 18 anos
(art. 228) e apenas admite a privação
de sua liberdade por tempo breve e
com respeito à sua peculiar condição
(art. 227, parágrafo 3º, inciso V). Mudar essas regras não é simples, não é
rápido e não é necessário. Basta mudar o Estatuto da Criança e do Adolescente. É ali (e não na Constituição)
que se diz que, "em nenhuma hipótese, o período máximo de internação
excederá a três anos" e que "a liberação será compulsória aos 21 anos de
idade" (parágrafos 3º e 5º do art. 121).
Defendo a alteração do ECA quanto às infrações mais graves, cometidas com violência ou grave ameaça,
para que, nesses casos, a internação
possa atingir ao menos dez anos, sobretudo quando se tratar de reiteração, e para que o juiz -após avaliação
social, psicológica e médica e oitiva
do Ministério Público- possa determinar que, ao completar 18 anos, o
infrator seja imediatamente transferido para um estabelecimento ou ala
especial, onde cumpriria o restante
da medida privativa de liberdade.
Esse aumento do rigor é a dose certa para um problema gravíssimo. Há
casos notórios em que a internação
do adolescente é a única providência
necessária e suficiente para resguardar os direitos das vítimas e, especialmente, da sociedade. Esta não compreende a libertação precoce de
quem -embora adolescente- tenha
praticado uma infração com requintes de profissionalismo, crueldade ou
torpeza (como é o caso, por exemplo,
de um latrocínio, de um estupro ou
dos demais crimes hediondos).
Porém, as limitações previstas pelo
ECA paralisam as autoridades do
Executivo, do Ministério Público e do
Judiciário e geram intranqüilidade
social. Na verdade, as regras em vigor
desprezam a hipótese de que também
os adolescentes sejam, eventualmente, muito perigosos. Ignoram, assim,
a realidade, o que tem sido causa de
injustiça, pois impedem a resposta
adequada às infrações mais graves
por eles cometidas.
Essas propostas são compatíveis
com a Convenção dos Direitos da
Criança da ONU, de 20/11/89, ratificada pelo Brasil em 24/9/90, que estabelece o limite de 18 anos de idade
para tratamento diferenciado e não
exclui a aplicação judicial de sanções
consistentes na privação temporária
da liberdade. Além disso, são justas e
necessárias não só para prover o Poder Executivo, o Ministério Público e
o Poder Judiciário de instrumentos
legais para o combate à delinqüência
juvenil grave mas também para possibilitar os meios indispensáveis à
preservação da segurança pública e
bem-estar da coletividade.
Um cínico talvez diga que a mudança do ECA seria mais um triunfo da
experiência sobre a esperança. Mas
as duas virtudes não são inconciliáveis e uma pode aprender com a outra. Aliás, já o disse Santo Agostinho:
"A esperança tem duas filhas lindas, a
indignação e a coragem; a indignação
nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las".
JOSÉ SERRA, 64, economista, é o governador do Estado
de São Paulo. Foi senador pelo PSDB-SP (1995-2002), ministro do Planejamento e da Saúde (governo Fernando
Henrique Cardoso) e prefeito de São Paulo (2005-2006).
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