São Paulo, sábado, 25 de abril de 1998

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A vida e a morte

CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Morrer é da vida. Não devia ser surpresa. De certa forma, morrer é uma obrigação nossa, compromisso do qual não podemos fugir, mas nos esforçamos por adiar. Santo Agostinho, logo no início de suas "Confissões", diz que "a vida não é mortal. A morte é que é vital".
Mesmo assim, estranha-se como maltratamos a vida, colocando-a em risco diante de valores que nem sempre são valores. Há que lembrar, depois de Santo Agostinho, a frase de Mussolini que citei há dias: "Prefiro um dia de leão a cem anos de ovelha".
Mortes recentes estão aí, provando que muita gente pensa de igual forma. Nem todos terminam como Mussolini, pendurado de cabeça para baixo num gancho de açougue. Terminam até gloriosamente, mas terminam, dando a impressão de que estão indo antes do tempo.
Não faz muito um diretor de TV (seara de muita competição e fofoca) morreu de repente. Tancredo Neves escondeu uma doença que podia ser banal, mas ficou tão complicada que o levou embora. O poder teve mais atração do que a vida.
Nos dois casos desta semana, tanto Sérgio Motta como Luís Eduardo Magalhães tiveram avisos suficientes para alterar hábitos e diminuir o estresse dos cargos que ocupavam. Não há vitória que compense a vida -a menos que esteja em jogo a honra ou uma causa que realmente valha a pena.
Evidente que cada qual escolhe as causas que abraça e dá a cada uma um valor correspondente. Os cruzados morriam para libertar o santo sepulcro dos infiéis. Era uma causa.
Heróis na guerra e na paz deram a vida pela liberdade, pela justiça, pela pátria, pela fé, pela revolução, pela ciência, pelos inocentes. Não sei se a privatização de uma estatal ou uma reforma de autarquia mereçam o sacrifício de uma vida.
Cuidar da saúde pode ser uma forma de patriotismo, embora nem sempre a pátria dê retorno, cuidando da saúde da gente.



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