São Paulo, quarta-feira, 25 de maio de 2011 |
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FERNANDO CANZIAN Anestesia geral O projeto de poder do PT foi sistemático e abrangente na cooptação de vozes e partidos que poderiam vir a ser obstáculos para o seu estilo de governo e ambições. Ele também blindou seus integrantes contra os escândalos da era Lula. O governo Dilma começa beneficiado por essa configuração. Com impostos recolhidos pelo Estado, o PT reforçou o caixa das poucas estruturas minimamente organizadas, populares e midiáticas que já fizeram uma real e barulhenta oposição no Brasil. De resto, CUT, MST, Força Sindical e demais sindicatos já eram ramificações do partido ou simpáticos a ele. O trabalho aqui foi fácil. O "abril vermelho", temporada de invasões de sem-terra, tornou-se apenas um bom slogan. Já as centrais e sindicatos hoje se refastelam com recursos públicos para programas suspeitos; ou com o dinheiro das estatais que patrocinam as festas do 1º de Maio. A "paz dos cemitérios" reinante, mesmo diante de escândalos de simples compreensão como o atual (o repentino enriquecimento de Antonio Palocci), foi reforçada pela apropriação de uma carga tributária crescente. As classes médias e mais abastadas foram obrigadas a transferir, com a intermediação do Estado, parte da sua riqueza para os mais pobres. A expansão do Bolsa Família, a disseminação de aposentadorias rurais e demais benefícios da Previdência, assim como o financiamento de programas como ProUni e Pronaf (para universitários de baixa renda e agricultura familiar), são o resultado dessa troca. Essa transferência de renda de poucos para muitos explica bastante a queda na desigualdade e o atual dinamismo da economia. O país pegou no tranco, e todos ganharam. Por último, há o paradoxo de o Brasil ter sido beneficiado por uma crise de enormes proporções nas economias ricas. E pela subsequente inundação de dinheiro barato e público no hemisfério Norte para tentar resgatar seus mercados. Parte desse capital veio parar aqui e justifica a abundância e a facilidade atuais para tomar crédito; e a coragem renovada da conservadora banca nacional em assumir um pouco mais de risco. É plausível que a apatia nacional diante dos pequenos e grandes escândalos envolvendo políticos e dinheiro suado de impostos venha da combinação de tudo isso. As atuais manifestações na Espanha, com praças tomadas contra a corrupção política, são a outra face dessa mesma moeda. Com o desemprego acima de 20% e sem nenhuma perspectiva no horizonte, não custa muito ir reclamar na rua. No Brasil, ao contrário, a proliferação de bolsas, empregos, bens importados e crédito faz parecer quase natural o clima de abobalhação e deslumbre novo-rico entre nós, financiadores disso tudo. FERNANDO CANZIAN é repórter especial da Folha. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de Antonio Delfim Netto. Texto Anterior: Rio de Janeiro - Ruy Castro: Nomes imortais Próximo Texto: TENDÊNCIAS/DEBATES José Carlos Dias: Fale, Palocci Índice | Comunicar Erros |
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