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São Paulo, quarta-feira, 25 de junho de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

O segredo da confissão

RIO DE JANEIRO - Já foram feitos romances e filmes sobre o assunto e, pessoalmente, nunca me impressionei com eles. Na semana passada, em São Paulo, encontrei antigo colega de seminário, hoje monsenhor, que me contou uma história horripilante.
Mal ordenado padre, foi servir como coadjutor numa cidade do interior. Houve assalto e tiroteio na agência de um banco e um policial que ficou gravemente ferido quis se confessar. Evidentemente que o meu ex-colega não revelou detalhes de lugar e de pessoas, contou apenas o milagre, sem mencionar o santo.
A confissão foi banal, os pecados de sempre, de todos nós pecadores. Mas, ao final, o moribundo contou uma história terrível. Fizera parte de uma espécie de esquadrão da morte, caçava e matava pessoas indicadas por seus superiores como subversivos, inimigos da pátria e da sociedade.
Certa noite, deram-lhe um preso para que dele obtivesse outro tipo de confissão: a que indicaria seus companheiros de subversão. Devido à morte de Vladimir Herzog, recomendaram-lhe que fosse bem longe da delegacia, que procurasse um terreno baldio para a sessão de tortura.
Comandando um grupo de quatro policiais, ele levou o preso para um lugar ermo, à margem de um rio. Surraram o coitado até a morte, mas dele nada obtiveram em termos de confissão. Um dos policiais foi ao camburão que os trouxera, apanhou dois galões de gasolina. Ensoparam o corpo e queimaram-no.
Ao voltarem para o camburão, ligaram o rádio para a delegacia e deram a tarefa como concluída. Mas receberam a ordem: "Guardem bem o local, amanhã um de vocês volta com uma pá e joga as cinzas no rio".
Despedi-me do ex-colega e só então reparei que ele parecia muito cansado da vida e do ofício. Fizera o seu dever, absolvera "in extremis" um pecador que procurava o perdão não dele, sacerdote, mas de Deus, que tem fama de misericordioso.


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