São Paulo, domingo, 25 de agosto de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Desenvolvimento humano

VIVIANE SENNA

Depois de 12 anos, os indicadores do Relatório sobre Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento -o PNUD- nos mostram que, apesar de o Brasil figurar entre as dez maiores economias industriais do mundo, ainda estamos muito longe de um mínimo de equilíbrio entre transformação produtiva e equidade social.
Embora as condições de vida da população não tenham conhecido retrocesso, não se pode constatar nenhuma melhoria de maior significado. Estamos na 73ª colocação no ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), atrás de países como Arábia Saudita (71º) e Venezuela (69º).
A discrepância entre o PIB e o IDH nos dá a dimensão do desafio ético, político, econômico e social com que nos confrontamos neste início de milênio. De fato, em 500 anos de história, acumulamos um passivo social cujo resgate só poderá ser empreendido pela convergência e complementaridade de esforços das políticas públicas, do mundo empresarial e das organizações sem fins lucrativos, que integram o chamado terceiro setor.
Desde os anos 90, o PNUD vem projetando no campo do desenvolvimento as várias dimensões dos direitos humanos, passando a considerar como mais desenvolvidas aquelas sociedades capazes de assegurar, para o conjunto de seus cidadãos, o acesso a patamares mais elevados de bem-estar e de dignidade. Nessa perspectiva, o desenvolvimento caracteriza-se como um processo multidimensional e progressivo, envolvendo a garantia de direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais, considerados em sua universalidade e em sua indivisibilidade.
A incorporação dos direitos humanos como eixo sustentador e medida de progresso no campo do desenvolvimento permitiu a construção do conceito de desenvolvimento sustentável como um processo capaz de integrar dimensões como produtividade, equidade, sustentabilidade, participação nas decisões, segurança e cooperação.
O grande desafio do Brasil é assegurar a estabilização econômica conquistada na segunda metade dos anos 90 e, a partir dela, instalar uma tendência irreversível em direção à elevação do nosso Índice de Desenvolvimento Humano. Persistir na via da priorização quase absoluta do econômico sobre o social poderá -como já está ocorrendo nas periferias de nossas maiores regiões metropolitanas- aprofundar ainda mais o processo de ruptura das bases do convívio das pessoas e dos grupos entre si e com as instituições.


O ponto de não-retorno no processo de desagregação social começa a ser perigosamente ultrapassado


A substituição da presença do Estado pelo crime organizado em algumas áreas é o sinal mais evidente de que o ponto de não-retorno no processo de desagregação social começa a ser perigosamente ultrapassado.
Diante desse quadro, impõe-se, de forma inarredável e urgente, a adoção de uma ética de co-responsabilidade entre os três grandes setores da vida nacional. Cumpre ao Estado não abrir mão de seus fins universais e se empenhar na construção de políticas públicas efetivamente redistributivas e autopromotoras. Ao mundo empresarial, cabe identificar aspectos relevantes do desenvolvimento social brasileiro e atuar de forma complementar ao poder público, no sentido do aumento e da melhoria das ações no foco eleito.
Por fim, às organizações do terceiro setor cabe, com sua sensibilidade, espírito de luta e criatividade pessoal, institucional e comunitária, contribuir para a expansão dos limites do possível, através da produção de idéias e iniciativas que se mostrem capazes de promover a alteração das ações do governo e das empresas, no que diz respeito ao bem comum.
Essa nova ótica e essa nova ética precisam ser instaladas na consciência social do nosso tempo. Essa foi a razão de termos elegido o desenvolvimento humano como tema do Grande Prêmio Ayrton Senna de Jornalismo para esta década. Estamos certos de que somente um grande esforço de ampliação e qualificação da demanda por um progresso humanístico poderá criar as condições para que a cidadania possa vencer.
Num ano eleitoral, é certo que a abordagem desse tema assume uma relevância ainda maior.


Viviane Senna, 45, psicóloga e empresária, é presidente do Instituto Ayrton Senna.



Texto Anterior:
TENDÊNCIAS/DEBATES
Peter Raven e Alan Leshner: A ciência contra a desigualdade

Próximo Texto:
Painel do Leitor

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.