São Paulo, segunda-feira, 25 de agosto de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A explosiva força da verdade JORGE BOAVENTURA
Em nosso livro mais recente, afirmamos que, no mundo absurdo,
contraditório e brutal dos nossos dias,
vivemos todos nós, homens e mulheres
comuns, como os galés das antigas embarcações romanas, que, agrilhoados
aos bancos que ocupavam para acionar
os remos do barco, sem terem a visão do
exterior, faziam-no ao ritmo marcado
por um bumbo que lhes ficava às costas,
tocado por alguém que, como eles, ignorava o rumo e o destino da nau em
que estavam. Estes só eram conhecidos
por alguém que, por detrás de quem tocava o bumbo, empunhava a cana do leme, impondo a rota a seguir.
Com toda a razão, perguntará o leitor a esta altura: Por que o que parece tão justo e tão nobre está sendo condenado pelo escriba atrevido? É porque, com aparência tão bela, na verdade o que se fez -e não por acaso- foi desvincular o processo civilizatório a que pertencemos de suas bases culturais de origem judaico-cristã, consubstanciadas nas Sagradas Escrituras, as quais, ao serem admitidas como de revelação divina, contêm valores permanentes e eternos que, sem substituírem as leis do direito positivo, podem emoldurá-lo, buscando a compatibilização entre a legalidade e a justiça. Claro que a origem divina das escrituras não é algo que todos aceitam. O que é impossível deixar de aceitar, por ser factual, é que elas representam os alicerces da cultura da qual resultou a civilização a que pertencemos -agora, pensamos, já em franca agonia, em consequência dos erros que pretendem alicerçá-la: as maiorias não são fontes de verdade; elas podem errar e acertar, como as singularidades. E, como a sua composição e decisões podem ser, e são, manipuláveis pelos controladores do mercado, elas tenderão sempre a servi-los, mais do que ao homem comum. Por isso cresce o número de miseráveis no mundo e multiplicam-se as mais gritantes contradições e injustiças. Agora mesmo o mundo assiste, perplexo, ao desrespeito à maioria da ONU e dos povos do mundo inteiro -dos povos, não dos governos- e a um povo ser massacrado selvagemente. E, em Guantánamo, base dos EUA em Cuba, estarem como que sepultados vivos cerca de 700 afegãos, sem direito a visitas, sem direito a qualquer comunicação com quem quer que seja, sem direito a defesa, sendo "interrogados", só Deus sabe como, por tribunais militares autorizados a aplicar-lhes até a pena de morte. Nem Hitler, nem Stálin jamais se abalançariam a tanto. De quem o leitor tem ouvido falar mais, disto ou da truculência do tiranete Fidel Castro? Para não ir tão longe: até agora é impossível negar que não tivemos aqui uma mudança de governo, mas apenas de governantes; é que continua no poder o "poder mundial". Se o atual presidente cogita mudar a "correlação de forças" e libertar-nos, é uma hipótese, por muitos motivos, pouquíssimo provável, inclusive à luz de circunstâncias biográficas. Ficaremos por aqui, quando teríamos tanto a dizer ainda. Voltaremos, porém, ao assunto, nesta brava Folha, se Deus quiser. Jorge Boaventura, 80, ensaísta e escritor, é conselheiro do Comando da Escola Superior de Guerra. www.jorgeboaventura.jor.br Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES João Capiberibe: Alca, uma questão nacional Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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