UOL




São Paulo, quinta-feira, 25 de setembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Álcool e as mudanças climáticas

JOSÉ GOLDEMBERG

Tem toda a razão o ministro Furlan, da Indústria e Comércio, quando argumenta que só aumentando as exportações do país, e não reduzindo as importações, é que impulsionaremos o nosso desenvolvimento.
Sucede que aumentar as exportações não é fácil: os países industrializados estão em recessão e, portanto, consumindo pouco. Como consequência, estão aumentando as barreiras alfandegárias para impedir que entrem produtos dos países menos desenvolvidos -mais competitivos-, forçando o consumo dos seus próprios produtos, mesmo à custa de grandes subsídios.
Quebrar esse círculo de proteção dos países industrializados não é fácil, mas há uma oportunidade que não está sendo explorada completamente pelo Brasil: a exportação de álcool produzido a partir da cana-de-açúcar, que é um excelente substituto da gasolina, como bem sabemos.
No exterior, usar o álcool como aditivo da gasolina permitirá substituir outros aditivos, como o MTBE, condenado pelas autoridades ambientais de vários países. Esse é um caso típico em que as leis e os regulamentos ambientais não têm caráter punitivo ou restritivo, mas resolvem um problema -o da qualidade do ar-, geram emprego e impulsionam o desenvolvimento por meio da produção de um combustível "limpo", que não contribui para o efeito estufa, como acontece com os combustíveis fósseis. É o efeito estufa o responsável pelos eventos climáticos extremos, como inundações e ondas de calor.


Existe um projeto em que se propõe aumentar em 100 mil o número de automóveis que usam álcool puro no Brasil


O Brasil foi pioneiro na tecnologia do uso de álcool como substituto da gasolina -que, aos poucos, está conquistando mercados no Japão, Estados Unidos e Europa e será, sem dúvida, um dos nossos produtos de exportação mais significativos, ao lado da soja, açúcar e café. As características positivas do álcool, comparadas às da gasolina, são a ausência de impurezas e o fato de ele ser um combustível renovável.
Por ser o álcool um combustível limpo é que a qualidade do ar em São Paulo melhorou nos últimos dez anos; e o fato de esse combustível não contribuir para o efeito estufa poderá gerar um grande interesse comercial. Pelo Protocolo de Kyoto, que a União Européia vai implementar -mesmo sem a participação dos Estados Unidos-, os países europeus poderão comprar no Brasil "créditos" de carbono. Esses "créditos" correspondem a reduções de emissões de carbono resultantes da substituição de gasolina por álcool. Existe um projeto concreto, em negociação com a Alemanha, em que se propõe aumentar em 100 mil o número de automóveis que usam álcool puro no Brasil, estando aquele país disposto a transferir R$ 100 milhões para viabilizar o projeto.
Qual o interesse da Alemanha nessa operação? A resposta é a seguinte: ao rodarem dez anos, esses 100 mil carros evitariam lançar na atmosfera cerca de 2 milhões de toneladas de carbono; como cada tonelada de carbono vale cerca de US$ 20, a Alemanha ficaria com esses "créditos de carbono", que ela usaria para cumprir suas obrigações com o Protocolo de Kyoto ou com a União Européia.
Qual o interesse do Brasil nessa operação? Em primeiro lugar, a expansão das plantações de cana em 67 mil hectares, com a criação de 20 mil empregos diretos e 60 mil indiretos, para a produção de 430 milhões de litros de álcool adicionais por ano. Em segundo lugar, ganhariam os compradores dos carros a álcool: cada um deles receberia um desconto de R$ 1.000 ao comprar o veículo. Em terceiro lugar, os produtores de carros seriam compensados pelo desconto dado com a redução do IPI.
Em tese, o programa nada custaria ao Tesouro, pois a redução no IPI seria compensada pela entrada dos R$ 100 milhões da Alemanha.
A realização desse programa já foi aprovada pelo Congresso Nacional, no ano passado, e foram também alocados no Orçamento da União deste ano R$ 25 milhões para que se dê início a ele. O programa poderia ser implementado de imediato, cabendo ao Ministério da Indústria e Comércio editar, com o apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia, normas detalhadas para sua execução e que regulamentem claramente como se fará a transferência dos recursos alemães para compensar os dispêndios do Tesouro.
Vender mais automóveis nos dias de hoje, sobretudo "automóveis verdes", ajudaria a ativar a economia e expandir o uso do álcool através de um exemplo concreto, que caracterizaria o Brasil como um grande parceiro para a redução das emissões de carbono.

José Goldemberg, 75, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, é secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. Foi reitor da USP (1986-89), secretário da Ciência e Tecnologia da Presidência da República e ministro da Educação (governo Collor).


Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Ives Gandra da Silva Martins: Os equívocos do presidente Bush
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.