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A tartaruga de Doha
Estudo da OCDE indica corte ínfimo de subsídios agrícolas nos países ricos,
principal obstáculo para negociações comerciais
O RELATÓRIO mais recente sobre subsídios agrícolas da Organização
para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico,
clube de 30 países ricos, pouco
tem de animador. Embora registre progresso infinitesimal na redução de subsídios que sustentam a agricultura dos países mais
desenvolvidos, o documento se
encarrega de solapá-lo ao mostrar que pesaram mais fatores
conjunturais do que um recuo
palpável nos mecanismos que
distorcem o comércio mundial.
O montante das vantagens garantidas por governos da OCDE
a produtores rurais, em 2006, alcançou US$ 268 bilhões (isso
equivale a cerca de um quarto do
PIB brasileiro). Nada menos que
27% da receita auferida pelos
agricultores nessas 30 nações
provêm de ajuda governamental.
Em geral, subsídios para manter
os preços internos elevados
-21% acima dos vigentes no
mercado mundial, em média.
Houve alguma melhora, é fato.
Em 2005, chegava a 29% a fatia
do apoio estatal aos agricultores
da OCDE. Ela só diminuiu dois
pontos percentuais porque a
maioria das commodities se encontra em alta. Muitos subsídios
diminuem quando o preço do
bem aumenta.
Os mais prejudicados são países com setor agrícola competitivo, como o Brasil. Basta mencionar o que ocorre com o produto
da hora, álcool combustível (etanol): os EUA subvencionam com
13 centavos de dólar por litro o
ineficiente etanol produzido a
partir do milho. O documento da
OCDE conclui que, sem tal gênero de proteção, só o etanol do
Brasil seria competitivo.
O relatório aponta ligeira melhora no perfil das políticas de
subsídios entre os países da OCDE. Estão diminuindo as formas
de apoio que mais distorcem o
comércio global, como os programas para sustentar preços
mínimos ou quantidades predeterminadas de produção. Cresce
a ajuda baseada por exemplo na
área que o produtor ocupa ou na
quantidade de animais que possui, considerada menos nociva.
Mas é um avanço modesto, que
caminha em passo de tartaruga.
O reconhecimento do ritmo
insatisfatório dessa aproximação entre a prática e a doutrina
liberal sobre comércio está na
raiz da Rodada Doha de negociações, iniciada no âmbito da Organização Mundial do Comércio
(OMC) em 2001. Não por acaso o
tema dos subsídios agrícolas dos
países ricos se encontra no cerne
do impasse com que os negociadores se defrontaram neste ano.
O G20, grupo de países "emergentes", reivindicava dos EUA
um teto de US$ 15 bilhões anuais
para subsídios. George W. Bush
teria oferecido algo da ordem de
US$ 16 bilhões, mas exigindo como contrapartida da associação
liderada por brasileiros e indianos tarifas menores de importação de bens industriais.
Mesmo que o Brasil se incline
nessa direção -e deveria fazê-lo-, a resistência de parceiros de
G20 (como Índia e África do Sul)
e condições políticas adversas
para novas concessões (como
eleições presidenciais na Argentina e início da campanha eleitoral americana) tornam pouco
plausível algum avanço significativo da tartaruga de Doha nos
próximos meses.
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