São Paulo, quinta-feira, 25 de outubro de 2007

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A tartaruga de Doha

Estudo da OCDE indica corte ínfimo de subsídios agrícolas nos países ricos, principal obstáculo para negociações comerciais

O RELATÓRIO mais recente sobre subsídios agrícolas da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, clube de 30 países ricos, pouco tem de animador. Embora registre progresso infinitesimal na redução de subsídios que sustentam a agricultura dos países mais desenvolvidos, o documento se encarrega de solapá-lo ao mostrar que pesaram mais fatores conjunturais do que um recuo palpável nos mecanismos que distorcem o comércio mundial.
O montante das vantagens garantidas por governos da OCDE a produtores rurais, em 2006, alcançou US$ 268 bilhões (isso equivale a cerca de um quarto do PIB brasileiro). Nada menos que 27% da receita auferida pelos agricultores nessas 30 nações provêm de ajuda governamental. Em geral, subsídios para manter os preços internos elevados -21% acima dos vigentes no mercado mundial, em média.
Houve alguma melhora, é fato. Em 2005, chegava a 29% a fatia do apoio estatal aos agricultores da OCDE. Ela só diminuiu dois pontos percentuais porque a maioria das commodities se encontra em alta. Muitos subsídios diminuem quando o preço do bem aumenta.
Os mais prejudicados são países com setor agrícola competitivo, como o Brasil. Basta mencionar o que ocorre com o produto da hora, álcool combustível (etanol): os EUA subvencionam com 13 centavos de dólar por litro o ineficiente etanol produzido a partir do milho. O documento da OCDE conclui que, sem tal gênero de proteção, só o etanol do Brasil seria competitivo.
O relatório aponta ligeira melhora no perfil das políticas de subsídios entre os países da OCDE. Estão diminuindo as formas de apoio que mais distorcem o comércio global, como os programas para sustentar preços mínimos ou quantidades predeterminadas de produção. Cresce a ajuda baseada por exemplo na área que o produtor ocupa ou na quantidade de animais que possui, considerada menos nociva. Mas é um avanço modesto, que caminha em passo de tartaruga.
O reconhecimento do ritmo insatisfatório dessa aproximação entre a prática e a doutrina liberal sobre comércio está na raiz da Rodada Doha de negociações, iniciada no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001. Não por acaso o tema dos subsídios agrícolas dos países ricos se encontra no cerne do impasse com que os negociadores se defrontaram neste ano.
O G20, grupo de países "emergentes", reivindicava dos EUA um teto de US$ 15 bilhões anuais para subsídios. George W. Bush teria oferecido algo da ordem de US$ 16 bilhões, mas exigindo como contrapartida da associação liderada por brasileiros e indianos tarifas menores de importação de bens industriais.
Mesmo que o Brasil se incline nessa direção -e deveria fazê-lo-, a resistência de parceiros de G20 (como Índia e África do Sul) e condições políticas adversas para novas concessões (como eleições presidenciais na Argentina e início da campanha eleitoral americana) tornam pouco plausível algum avanço significativo da tartaruga de Doha nos próximos meses.


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