São Paulo, domingo, 25 de outubro de 1998

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Reforma política, base das mudanças


É importante discutir o sistema de voto e a fidelidade partidária; as eleições, de certa forma, apontam nessa direção


RUBENS APPROBATO MACHADO

Reforma: eis a palavra-chave que pode abrir as portas de nosso sistema político e melhorar os padrões de desempenho das instituições nacionais. Se é tão apregoada e necessária, por que é tão difícil fazê-la? A resposta foi cunhada por Maquiavel: "Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas. O reformador tem inimigos em todos os que lucram com a velha ordem e apenas defensores tépidos nos que lucrariam com a nova ordem".
Mas, afinal, o que vem a ser uma reforma? Na sociologia política, uma mudança em que grupos privilegiados perdem poder e setores desprivilegiados melhoram sua posição social e econômica. Como os primeiros detêm costumeiramente as rédeas do poder, fica difícil concretizá-la. Isso explica, em parte, as dificuldades do país para concluir as reformas constitucionais. Se mudanças voltadas para o bem-estar coletivo e a estabilidade econômica sofrem impasses frequentes, imagine-se a complexidade de uma que atinja diretamente a identidade do sistema político.
Mas a reforma política é imprescindível para aperfeiçoar as instituições e a representação no Legislativo. É importante discutir essa representação, o sistema de voto e a fidelidade partidária; as eleições, de certa forma, apontam nessa direção. Constata-se a vontade de eleger candidatos mais compromissados com os interesses regionais.
A distritalização informal do voto surge como consequência de mudanças não tanto na geografia eleitoral, mas no mapa do comportamento dos grupos sociais. A sociedade nacional está cada vez mais organizada, o que dá margem à multiplicação de entidades de todos os tipos. Os grupos sociais passam a defender seus interesses -classistas ou regionais- inspirados num conceito de micropolítica, que incorpora temas prementes e de consequências imediatas. Trata-se, afinal de contas, de opção pelo pragmatismo político ou pela política de resultados.
Deriva daí a necessidade de adaptar o sistema de voto. Nossa tipologia, da lista fechada personalizada, repete-se em apenas dois países -Finlândia e Polônia. Vota-se no candidato de uma lista ou na sigla de um partido. No sistema majoritário, o voto é usado para as eleições em um único cargo (Senado, governo de Estado). Se tivéssemos distritos eleitorais, poderíamos aplicar o sistema majoritário à eleição de parlamentares. Ganhariam todas as vagas do distrito os candidatos ou partidos que nele obtivessem mais votos.
O modelo alemão, de voto distrital misto, pode ser uma referência. Lá, 50% do Senado é ocupado pelo sistema normal (uma lista de nomes, organizada pelos partidos, para todas as regiões) e 50%, pelo distrital (lista restrita a cada região). Em São Paulo, por exemplo, com 70 deputados, teríamos 35 distritos, com 720 mil votos cada um, para eleger metade da bancada. Os outros 35 seriam eleitos por todos os municípios. Os partidos indicariam um nome para concorrer em cada distrito. O importante é atentar para a necessidade de conformar o sistema de voto aos interesses dos grupos sociais.
O segundo eixo é o da fidelidade partidária. Há que obrigar o parlamentar a ficar na sigla que o elegeu, pelo menos por um determinado tempo, sob pena de perpetuarmos a desfiguração partidária -partidos sem doutrina, metas, programas. A fidelidade dará densidade conceitual aos partidos, permitindo ao eleitor uma opção mais consciente.
Na esteira da reforma política, há que mudar o sistema de representação, chegando a uma aritmética que traduza as densidades eleitorais dos Estados. Desigualdades são injustas e danosas à democracia. Aí está o impasse: o parlamentar cortaria a própria carne, diminuindo bancadas do contingente estadual que representa? São questões que merecem abrir a discussão política.


Rubens Approbato Machado, 65, advogado, é presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo.




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