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BORIS FAUSTO
Avanços da esquerda
"Avanzar sin trenzar". Lembrei-me do slogan, agora que
muitos analistas se perguntam sobre
as repercussões da vitória de Lula no
campo da esquerda latino-americana.
"Avanzar sin trenzar" -avançar
sem trançar, ou seja, sem compromissos e sem concessões- foi a palavra
de ordem de setores radicais do espectro político chileno, nos tempos do governo Allende. A tragédia final daquele governo e os horrores da ditadura
de Pinochet mostraram o quanto estava errado o caminho proposto. Era
necessário avançar, sim, mas dentro
do possível, contando com o apoio de
amplos setores sociais e o entendimento partidário com a Democracia
Cristã.
Apesar de seu impacto, a lição foi
apenas um primeiro passo na revisão
das concepções da esquerda latino-americana. Ao que tudo indica, um
passo maior -em outro contexto-
se deu com as eleições brasileiras deste
ano.
Voltando à pergunta: que reflexos
poderá ter a vitória de Lula nas esquerdas do continente?
Em primeiro lugar, é preciso separar
o joio do trigo se não quisermos correr
o risco de chamar de esquerda governos populistas como o de Chávez, ou
movimentos narcoguerrilheiros como o das Farc, na Colômbia. Feita a
ressalva, tudo indica que ganharam
alento organizações como a Frente
Ampla uruguaia, as correntes de esquerda mexicanas, no interior e fora
do PRD, e o próprio Partido Socialista
chileno, no âmbito do "poder concertado" com a Democracia Cristã. O caso argentino é mais complicado porque é difícil prever o que poderá resultar da fragmentação e do desconcerto
que atinge todas as organizações partidárias daquele país.
Entretanto, a vitória do PT não apenas alenta a esquerda latino-americana, mas encerra várias lições. Em primeiro lugar, a vitória foi alcançada por
caminhos frontalmente opostos ao
"avanzar sin trenzar". O fim do discurso radical contribuiu também para
criar laços do partido com as grandes
massas - mais conservadoras do que
às vezes se pensa -, com amplos setores da classe média e com individualidades que integram o mundo "dos
que mandam".
Mas as lições mais importantes se
encontram em duas constatações. Em
primeiro lugar, o caminho que vem
sendo seguido pela direção petista,
nesta fase de transição, indica a intenção de respeitar contratos e de considerar como princípios básicos a responsabilidade fiscal, a estabilidade da
moeda e o controle da inflação. A aceitação desses princípios - e, espera-se, o seu cumprimento - por parte de
quem fez pouco deles, por tanto tempo, encerra uma bela lição não só para
as esquerdas, mas para os populismos
latino-americanos de todo gênero.
Por fim, a eleição de Lula, nas condições de absoluto respeito às normas
democráticas, foi uma límpida demonstração, dirigida a setores radicais
daqui e de fora, de que as regras democráticas não são um expediente
descartável, mas (desculpem o tom
solene) o substrato da vida social e política das nações que querem ser civilizadas.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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