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CARLOS HEITOR CONY
Medidas provisórias
RIO DE JANEIRO - Ainda que eu
tente durante mil séculos fazer uma
laranja, basta o tempo de uma lambida para saber se ela está boa ou estragada. O mesmo vale para a organização do Estado: não saberia fazer melhor, mas sei que, como está,
não presta.
Vieram de longe as tentativas de
uma organização bem-intencionada: os gregos, Montesquieu, Descartes, sei lá, tanta gente. Mas ficamos nas fórmulas conhecidas e já
testadas: tirania, ditadura, monarquia, presidencialismo, parlamentarismo, teocracia, democracia, sabe o Diabo quantas.
Já foi dito que a democracia seria
a melhor delas por exclusão das demais. O Estado se dividiria em três
poderes teoricamente independentes e harmônicos entre si. Quem bolou o sistema não contava com a
precipitação do tempo e dos problemas. Em "Mãe Coragem", Bertolt
Brecht disse que nada como uma
guerra para disciplinar o Estado e a
sociedade: colheitas plantadas, colhidas e ensacadas, cada um fazendo o que pode, o bem comum acima
de tudo.
Esse complicado intróito é para
comentar o excesso de medidas
provisórias que paralisam o Congresso, transformado em conselho
para referendar os decretos-lei dos
tempos de qualquer ditadura. Na
briga entre o rochedo e o mar, o Judiciário, que deveria guardar a
Constituição e interpretar a lei,
aproveita o vazio para decretar sua
própria lei, criando o que já foi dito
por aí: a pior forma de ditadura.
A velocidade dos desafios do
mundo globalizado e informatizado
não pode ser acompanhada pelas
instituições tradicionais, que começaram a ser criadas num tempo
em que a notícia de uma batalha
precisava de que um herói corresse
42 quilômetros para transmitir o
resultado. Com a diferença de fusos
horários, um país pode acabar antes
de despertar.
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