São Paulo, quarta-feira, 26 de março de 2008

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MPs corrompem

Acabar com o mecanismo do trancamento da pauta teria a virtude de obrigar o Planalto a mobilizar sua base no Congresso

NADA COMO o exercício do poder para revelar a volubilidade de nossos governantes.
Quando na oposição, Luiz Inácio Lula da Silva classificava o uso excessivo de medidas provisórias como "forma autoritária de governar". Agora que detém a caneta presidencial, afirma que é "humanamente impossível" governar sem elas.
O súbito gosto pelas MPs não é uma idiossincrasia lulista. Também antes de ascender ao Planalto, Fernando Henrique Cardoso era ainda mais enfático. Dizia que a "enxurrada de MPs" conspurcava a própria democracia. A retórica, entretanto, não o impediu de, uma vez instalado no poder, usar e abusar desse instrumento legislativo emergencial.
Quem aprecia menos o mecanismo são a oposição, naturalmente, e as lideranças parlamentares, mas estas apenas a partir do momento em que passam a ser questionadas pelo fato de a pauta legislativa caminhar inteiramente a reboque do Executivo.
Muitos dos congressistas da chamada base aliada convivem bem com esse instrumento que tem esbulhado sua função primordial, que é a de propor e aprovar leis. O paradoxo se explica. MPs materializam os principais interesses do governo e acabam invariavelmente sendo votadas de afogadilho, o que permite a cada parlamentar exigir -e obter- do Planalto toda sorte de favores, da liberação de verbas para obras paroquiais à nomeação de apaniguados para cargos na administração -para ficar apenas no que está dentro da lei.
Ainda que nenhuma das partes o admita, é um arranjo muito confortável, senão para todos, ao menos para a maioria. No campo das probabilidades, portanto, não parece grande a chance de que as atuais discussões para rever o rito das MPs desemboquem em mais que mudanças cosméticas: o suficiente para que as lideranças parlamentares possam dizer que agiram, mas mantendo, no essencial, o sistema como está.
O fato é que tanto Lula como FHC tinham razão quando falavam como oposicionistas. O tráfico em torno das MPs debilita a democracia ao desequilibrar a repartição dos Poderes. O Legislativo se torna um mero homologador de decisões do Executivo, e o próprio debate parlamentar acaba sendo severamente prejudicado, quando não suprimido. É preciso, portanto, que o Parlamento tome uma atitude que vá além das aparências.
Pelas regras atuais, uma MP tem força de lei por 60 dias, renováveis por igual período. Precisa ser aprovada dentro desse prazo pelo Congresso para tornar-se perene e não caducar. A partir do 45º dia de tramitação ela passa a bloquear a pauta da Casa: nada se vota antes da MP.
Esse trancamento da pauta desequilibra o jogo em favor do governo. Acabar com tal dispositivo, embora não resolva o problema, teria a virtude de obrigar o Planalto a mobilizar sua "soi-disant" base de apoio. Pode ser um primeiro passo para a consolidação de verdadeiras maiorias parlamentares, de cuja ausência o sistema político brasileiro tanto se ressente.


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