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MPs corrompem
Acabar com o mecanismo do trancamento da pauta teria a virtude de obrigar o Planalto a mobilizar
sua base no Congresso
NADA COMO o exercício
do poder para revelar
a volubilidade de nossos governantes.
Quando na oposição, Luiz Inácio Lula da Silva classificava o
uso excessivo de medidas provisórias como "forma autoritária
de governar". Agora que detém a
caneta presidencial, afirma que é
"humanamente impossível" governar sem elas.
O súbito gosto pelas MPs não é
uma idiossincrasia lulista. Também antes de ascender ao Planalto, Fernando Henrique Cardoso
era ainda mais enfático. Dizia
que a "enxurrada de MPs" conspurcava a própria democracia. A
retórica, entretanto, não o impediu de, uma vez instalado no poder, usar e abusar desse instrumento legislativo emergencial.
Quem aprecia menos o mecanismo são a oposição, naturalmente, e as lideranças parlamentares, mas estas apenas a partir
do momento em que passam a
ser questionadas pelo fato de a
pauta legislativa caminhar inteiramente a reboque do Executivo.
Muitos dos congressistas da
chamada base aliada convivem
bem com esse instrumento que
tem esbulhado sua função primordial, que é a de propor e
aprovar leis. O paradoxo se explica. MPs materializam os principais interesses do governo e acabam invariavelmente sendo votadas de afogadilho, o que permite a cada parlamentar exigir -e
obter- do Planalto toda sorte de
favores, da liberação de verbas
para obras paroquiais à nomeação de apaniguados para cargos
na administração -para ficar
apenas no que está dentro da lei.
Ainda que nenhuma das partes
o admita, é um arranjo muito
confortável, senão para todos, ao
menos para a maioria. No campo
das probabilidades, portanto,
não parece grande a chance de
que as atuais discussões para rever o rito das MPs desemboquem em mais que mudanças
cosméticas: o suficiente para que
as lideranças parlamentares possam dizer que agiram, mas mantendo, no essencial, o sistema como está.
O fato é que tanto Lula como
FHC tinham razão quando falavam como oposicionistas. O tráfico em torno das MPs debilita a
democracia ao desequilibrar a
repartição dos Poderes. O Legislativo se torna um mero homologador de decisões do Executivo, e
o próprio debate parlamentar
acaba sendo severamente prejudicado, quando não suprimido. É
preciso, portanto, que o Parlamento tome uma atitude que vá
além das aparências.
Pelas regras atuais, uma MP
tem força de lei por 60 dias, renováveis por igual período. Precisa ser aprovada dentro desse
prazo pelo Congresso para tornar-se perene e não caducar. A
partir do 45º dia de tramitação
ela passa a bloquear a pauta da
Casa: nada se vota antes da MP.
Esse trancamento da pauta desequilibra o jogo em favor do governo. Acabar com tal dispositivo, embora não resolva o problema, teria a virtude de obrigar o
Planalto a mobilizar sua "soi-disant" base de apoio. Pode ser um
primeiro passo para a consolidação de verdadeiras maiorias parlamentares, de cuja ausência o
sistema político brasileiro tanto
se ressente.
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