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JOSÉ SERRA
Visão de islandês
Conheci o professor islandês
E.K., do Centro de Estudos Internacionais da Universidade de Reykjavík, no início dos anos 90 num seminário em Aspen, nos Estados Unidos.
Depois ele veio ao Brasil e registrei algumas de suas observações nesta coluna. Durante o governo de Fernando
Henrique, encontrei-o somente uma
vez, pois deixei de comparecer a seminários internacionais. Além disso, os
interesses do professor se deslocaram
para o Sudeste Asiático, que se consolidava como a região dos países em
desenvolvimento que, ao contrário do
Brasil, têm dado certo.
Na semana passada, reencontrei EK,
como é conhecido pelos amigos, em
Brasília. Ansioso para debater a experiência do PT no governo, ele já havia
rascunhado dois artigos para um jornal islandês, sobre os quais pediu minha opinião. Num deles, como ambientalista convicto, registrou: "Fiquei
perplexo com o fato de que o governo
brasileiro está concentrando sua atenção no debate sobre os transgênicos,
deixando de lado o trágico e estúpido
desmatamento da Amazônia, que pode ter chegado em 2003 ao equivalente
a um terço da Islândia. Nessa matéria,
o Brasil conseguiu dois grandes progressos: na qualidade das medidas de
destruição das florestas e na destruição propriamente dita".
EK, embora seja antropólogo, tem
boas noções de economia. Mas ressalva que, talvez, do lado de baixo do
Equador, a teoria econômica seja diferente. "É fascinante a economia brasileira", escreve. "O governo, a fim de
pagar os maiores juros reais do mundo, fixados por ele mesmo, arrecada
tributos tão pesados quanto os de um
país escandinavo. Com isso, eleva os
custos das empresas, que, então, aumentam os preços. Para segurar o repique inflacionário, o governo mantém ou aumenta novamente os juros
reais, o que exige gastos fiscais elevados, que demandam aumentos de impostos, que..."
O islandês continua: "A inflação brasileira está sendo empurrada pelos
custos (câmbio, impostos, tarifas, preços públicos), mas, surpreendentemente, é combatida como se a pressão
viesse apenas da demanda". Cada vez
mais desnorteado, prossegue: "Os
brasileiros têm também conceitos fiscais estranhos. Consideram que praticam austeridade fiscal, mas os gastos
do Tesouro Nacional subiram de
25,1% para 28,5% do PIB entre 2002 e
2003, e o déficit fiscal aumentou quatro vezes".
Mais interessante foi o que escreveu
sobre a política: "Estive aqui durante o
governo de Fernando Collor e conheci
parlamentares que apoiavam o governo. Na administração seguinte, de Itamar Franco, eles continuavam
apoiando o governo. Durante o governo Fernando Henrique, ainda apoiavam o governo. Pois não é que agora
também apóiam o governo Lula e até
mandam mais do que antes? Não sei
por que os presidentes brasileiros se
queixam de falta de apoio".
Confesso que não consegui desfazer
suas perplexidades. Fracassei, também, na tentativa de explicar-lhe o
programa Fome Zero. Ele escreveu
que, "achava, como todo mundo, que
a fome no Brasil estava sendo zerada
por esse programa. Fiquei surpreso ao
ouvir de um senador, que é da base do
governo e que encontrei num seminário na Índia, que o Fome Zero não
existe na prática. Perguntei qual é, então, a idéia. Constrangido, ele admitiu
que já houve várias idéias no papel,
que elas mudaram muito e ignorava
qual era a última". Surpresa maior, no
entanto, EK teve quando o senador informou que o registro civil gratuito fazia parte do Fome Zero...
José Serra escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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