São Paulo, quinta-feira, 26 de maio de 2011

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CARLOS HEITOR CONY

Tempos suculentos

RIO DE JANEIRO - A falta de assunto é regra geral para os cronistas. Eles são avaliados na medida em que tiram leite de pedra. Rubem Braga descrevendo o fim de mundo seria um chato, mas olhando uma borboleta amarela é um gênio.
Por bem ou por mal, costumo me queixar da falta de assunto, recurso que uso para nada dizer a respeito de tudo. Mas os tempos estão contra mim: assunto é o que não falta.
Vejamos: a morte de Osama bin Laden, o escândalo de Dominique Strauss-Kahn, duas beatificações quase simultâneas -um papa polonês e uma freira baiana (o céu deve estar mais divertido)-, a pneumonia de dona Dilma, a exumação de Salvador Allende, os bens do dr. Palocci, as futricas do novo Código Florestal, a prisão do jornalista que matou a namorada, a ideia de Barack Obama de colocar Israel dentro das fronteiras de 1967, um tornado que devastou o Missouri, o livro que ensina a falar errado, vulcões em erupção, casamento de gays e, ainda por cima, assunto pessoal de última hora, a morte, aos 97 anos, do Abdias do Nascimento, que encarnou o dr. Jubileu de Almeida -personagem de uma das melhores peças do Nelson Rodrigues ("Perdoa-me por me Traíres") que era, ao mesmo tempo, deputado (ou senador), tarado sexual e reserva moral da nação.
Um só desses assuntos daria uma boa série de artigos ou crônicas para qualquer iniciante no duro ofício de jornalista.
Já foi-se o tempo em que um profissional de imprensa era avaliado pela insistência com que descobria grandes e relevantes temas.
Eu devia estar escrevendo sobre o Abdias, que fazia aniversário junto comigo e com o Glauber Rocha, mas citei o Nelson Rodrigues aí em cima e, apesar de tantos e suculentos assuntos, termino a crônica com uma genial tirada de sua "Valsa nº 6": "Quando chove em cima das igrejas, os anjos escorregam pelas paredes".


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