São Paulo, quarta-feira, 26 de junho de 2002

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ANTONIO DELFIM NETTO

Metas inflacionárias

As recentes discussões sobre o sistema de metas inflacionárias podem ser úteis para o seu aperfeiçoamento, como mostra o exemplo da Nova Zelândia, a introdutora do sistema. Ela alterou a meta quando percebeu que exigia demais, modificou os acordos entre o banco central e o Tesouro sobre cláusulas de escape diante de choques de oferta adversos e, finalmente, produziu uma análise dos dez anos de vigência do sistema, convidando um auditor independente (um especialista reconhecido, o professor Lars Svensson) para apresentar um relatório com sugestões e críticas sobre a política executada.
No Brasil, como de costume, as sugestões cobrem todos os azimutes -desde a sua extinção, feita por quem se diz um importante economista do PT, até a introdução de outros objetivos além do da taxa de inflação, como o pleno emprego e a estabilidade cambial. A extinção é perfeitamente possível, mas qualquer política que a substitua terá, provavelmente, menos credibilidade. A introdução de outros objetivos é uma impossibilidade lógica, dado o fato de que o Banco Central dispõe de apenas um instrumento -a taxa de juro nominal de curto prazo.
Há muitos motivos (teóricos e empíricos) para aceitar que a política monetária seja neutra no longo prazo, de forma que não existe a esperança de utilizá-la para acelerar o crescimento. Qual é então o papel do Banco Central? É tentar calibrar a taxa de juro real com a taxa de retorno da economia, impedindo que se criem tensões inflacionárias, como já sabiam Henry Thornton (1802) e Knut Wicksell (1898). É a coincidência entre a taxa de retorno da economia e a taxa real de juro que garante que a política monetária não exercerá nem pressão inflacionária nem pressão deflacionária. O papel da política monetária é assegurar a estabilidade da moeda para que o sistema alocativo (o mercado) funcione corretamente. O crescimento é produto da ação do desenvolvimento tecnológico incorporado ao processo produtivo pelos empresários.
Como age o Banco Central? Devido à rigidez dos preços, a mudança da taxa de juro nominal produz, a curto prazo, modificações na taxa de juro real. O que o Banco Central persegue é fazer a taxa de juro real de longo prazo convergir para a taxa de retorno da economia, o que garante a neutralidade da política monetária. É isso o que explica por que, quando a economia começa a expandir-se (a taxa de retorno está crescendo), o Banco Central aumenta a taxa de juro nominal de curto prazo, tentando elevar a taxa de juro real de longo prazo. Ele não faz isso para abortar o crescimento, como alguns parecem crer. Pelo mesmo motivo, ele reduz a taxa básica quando a economia está murchando.
Ou inventamos uma nova teoria (que suporte o teste empírico), ou teremos de nos conformar com o fato de que a política monetária tem de atender a um único objetivo: a estabilidade da moeda. O que se pode discutir é qual é o nível dessa estabilidade.
Para um país em desenvolvimento que precisa de estabilidade cambial, a melhor coisa parece ser uma taxa de inflação parecida com a de seus parceiros externos.
Para fazer isso, não existe coisa muito melhor do que o sistema de metas inflacionárias.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.

dep.delfimnetto@camara.gov.br



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