São Paulo, quarta-feira, 26 de junho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Vida mais longa do que se esperava

JOSÉ CECHIN

Cientistas chamam a atenção para o fato de que governos ocidentais subestimam drasticamente o tempo de vida de seus cidadãos. Afirmam que, nos próximos 70 anos, a esperança de vida das mulheres americanas alcançará 101 anos -a projeção oficial é de 83,9 anos-; que o governo britânico é muito conservador ao projetar, para 2025, esperanças de vida de 79 e 83 anos (para homens e mulheres, respectivamente), já prevalecentes no Japão. Segundo eles, é pessimista imaginar que seriam necessários 25 anos para alcançar essas esperanças de vida.
O aumento da esperança de vida, portanto, apresenta desafios importantes para a sociedade nas áreas da saúde, previdência e assistência social. A sociedade deve estar pronta para debater políticas de enfrentamento de suas consequências. Políticas desenhadas sobre hipóteses incorretas ou negligenciando tendências evidentes deixarão a sociedade desestruturada.
Na Inglaterra, o presidente do Comitê Parlamentar Interpartidário de Previdência Social propôs a formação de um comitê independente para ajustar a idade de aposentadoria, que, segundo ele, deveria ser fixada em 74 anos, para guardar correspondência com a esperança de vida de 1948, ano de adoção do sistema público britânico de pensões.
Se, como ministro da Previdência, eu ignorar uma tendência historicamente observada, as chances são de que nada seja proposto para um prudente ajuste das políticas previdenciárias. Por outro lado, se apenas o governo adotar essa visão, parte da sociedade poderá tomar o fato como alarmista. O tema precisa ser debatido amplamente, para que todos formem opinião equilibrada e apóiem e até exijam medidas de adaptação.
O aumento da esperança de vida é resultado de longo processo de desenvolvimento. As melhorias materiais reduziram a mortalidade e a urbanização alterou costumes, inclusive a fecundidade. Viveu-se a chamada transição demográfica, lenta nos países de industrialização antiga e célere nos outros. Para ilustrar, no Reino Unido, passou de 48 anos, em 1901, para 75 anos, em 2000. No Brasil, passou de 40 anos, na década de 40, para 68 anos, em 2000.
Atualmente, no Brasil, aumenta três meses por ano, com perspectivas de crescimento contínuo, dada a diminuição da ainda alta mortalidade infantil.
O que importa para a Previdência é a esperança de vida na idade de aposentadoria, pois essa define a duração média do benefício. A presente tábua de vida, por idade, do IBGE, indica que o brasileiro, ao nascer, tem uma esperança de vida de 68,6 anos. Mas a geração de 50 anos tem expectativa de viver até os 75,5; a de 55 anos, até os 76,5; a de 60 anos, até 77,8; a de 65 anos, até 79,3 anos. Assim, uma aposentadoria concedida aos 55 anos de idade tem uma duração média de 21,5 anos; aos 60 anos, de 17,8 anos; etc.
A Previdência brasileira admitia, até 1998, aposentar por tempo de serviço quem tivesse 25 (mulheres) ou 30 (homens) anos de trabalho, o que permitia aposentadorias em baixas idades. A idade média das 417,4 mil pessoas aposentadas por tempo de serviço em 1997 foi de menos de 48 anos, idade que havia caído um ano em cada um dos cinco anos anteriores. Após a reforma da Previdência e a Lei do Fator Previdenciário, a idade média subiu para 54 anos.


Uma Previdência sustentável exige novas reformas, que levem em conta essa tendência de vida mais longa


Essas baixas faixas de idade decorrem de característica do sistema brasileiro: a falta de uma idade mínima. Em consequência, a duração média das aposentadorias no Brasil supera 20 anos -maior do que a dos países desenvolvidos, de 18 anos. O incrível é que se vive, no Brasil, um período como aposentado mais longo do que nos países avançados, embora aqui a vida seja mais curta.
Vivíamos na contramão da história: enquanto aumentavam as esperanças de vida, o sistema admitia reduções nas já baixas idades de aposentadoria. As reformas estão revertendo essa situação. Mas ainda há muito por fazer, considerando o ritmo atual de aumento da esperança de vida nas idades avançadas. Segundo dados do IBGE, em 2001 a esperança de vida dos 20 milhões de beneficiários do INSS aumentou 42 dias, acarretando gasto adicional de US$ 9 bilhões, diluídos nos próximos 40 anos.
Uma Previdência sustentável exige novas reformas, que levem em conta essa tendência de vida mais longa. No passado, os ajustes nos desequilíbrios financeiros recorrentes foram equacionados com aumento das contribuições ou com o trabalho sujo da inflação.
Há uma terceira forma, nunca adotada: o alongamento do período de trabalho e de contribuição, para quem se aposenta com baixa idade. Parece-me defensável que o período adicional de vida seja repartido entre uma parcela em atividade e contribuição e outra em usufruto da aposentadoria. É preciso estimular mais a postergação das aposentadorias por tempo de contribuição.
As pessoas que se aposentam jovens são as mais bem colocadas no mercado de trabalho, com os maiores salários e boas oportunidades de emprego após a aposentadoria, cuja duração pode se estender por períodos tão longos quanto os de vida contributiva e que continuam trabalhando mesmo aposentados. Para eles, a aposentadoria é só uma segunda renda no meio da vida de trabalho.
A sociedade tem de decidir se continuará aposentando pessoas de baixa idade e arcando com os custos correspondentes ou se criará novos e mais poderosos estímulos para que a aposentadoria ocorra em idades mais altas.


José Cechin, 51, é ministro da Previdência e Assistência Social.



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