|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BORIS FAUSTO
Política e futebol
Nos países da América Latina
-e não só neles- sempre houve uma estreita relação entre a política
e os êxitos ou fracassos das seleções
nacionais de futebol.
Ficando nos piores exemplos, lembro os casos dos títulos mundiais conquistados pelo Brasil em 1970 e pela
Argentina em 1978. No primeiro deles, seria exagero dizer que o prestígio
da ditadura encarnada no general Médici foi assegurada pelo triunfo brasileiro. Mas, se outros fatores menos
efêmeros devem ser levados em conta,
especialmente o "milagre econômico", não há dúvida de que o feito se associou às "façanhas" do regime.
No caso argentino, um título conquistado em circunstâncias no mínimo duvidosas -estou me referindo à
goleada sofrida pelo Peru, resultando
na eliminação do Brasil- levou à euforia a imensa maioria da população
do país, não obstante os horrores daquela época, sob a ditadura assassina
do general Videla.
Deixemos esses tempos trágicos para trás e lembremos os dias atuais, em
que, felizmente, impera a democracia.
Muita gente imaginou que a vitória do
Brasil na Copa do Mundo deste ano
contribuiria para o avanço da candidatura governista. Não foi o que aconteceu. Não se explorou essa possível
conexão na extraordinária festa realizada em Brasília ou, ao que eu saiba,
em qualquer outro local. O público
brasileiro soube distinguir entre os feitos do esporte e o mundo da política,
um fato em si mesmo positivo, quaisquer que sejam nossas preferências
partidárias.
Passaram-se menos de dois meses
até a realização do primeiro jogo da
seleção brasileira, após a Copa, em
Fortaleza. Seria preciso ser muito ingênuo para ignorar que a partida tinha por objetivo principal promover a
candidatura de Ciro Gomes, por iniciativa de Ricardo Teixeira, presidente
da CBF, e dos amigos da bancada da
bola. Basta passar os olhos na foto publicada na primeira página desta Folha (22/8) para dissipar qualquer dúvida. Nela surgem sorridentes Ciro e
Tasso, olhando a camisa 10 da seleção,
exibida por Scolari, enquanto Kaká e
Cafu, curiosamente, aparecem na cena de cara séria.
O tiro propagandístico saiu pela culatra. O que se viu em campo jogou
um balde de água fria nas expectativas. A razão é óbvia. Os promotores
do espetáculo podiam muito, mas
não a ponto de obrigar jogadores brasileiros desmotivados a se esforçarem
de verdade. Afinal de contas, a maioria deles -quem pode culpá-los?-
está com os olhos postos no início dos
campeonatos europeus ou, em alguns
casos, na possibilidade de transferências milionárias.
Também não era possível abafar o
brio dos paraguaios, desejosos de "carimbar" a faixa dos campeões do
mundo. A derrota veio acompanhada
das vaias do público e dos gritos até
injustos pela volta de Romário.
Não sei se o fato contribuiu ou não
para diminuir os índices da candidatura Ciro. Mas certamente foi um episódio melancólico, uma tentativa escancarada de extrair dos êxitos esportivos vantagens políticas, que o grande público vem repelindo.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: A insatisfeita Próximo Texto: Frases Índice
|