São Paulo, quinta-feira, 26 de agosto de 2004

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OTAVIO FRIAS FILHO

Vargas, de novo

Durante o regime militar, a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) exerceu duas funções. A primeira, protocolar, consistia em dar apoio a toda medida econômica adotada pelo governo -qualquer governo. Vivia-se a supressão das liberdades públicas e não seria a maior entidade empresarial do país quem poria as mangas de fora, até porque a política do regime lhe era favorável.
A segunda função, real, era atuar como câmera de pressão -tímida, cautelosa, como é próprio dos empresários e conveniente numa ditadura- dos interesses setoriais da indústria. Essa atividade se desenvolvia de forma silenciosa nos corredores acarpetados de Brasília. O ministro todo-poderoso de turno lhes dava algumas compensações e os mandava, calados, de volta a São Paulo.
Foi no final dos anos 70 que os empresários da Fiesp descobriram que sua entidade poderia ser algo mais que mero braço corporativo do nosso Estado getuliano (são impostos sobre as empresas que até hoje financiam suas receitas). Passaram a tornar público o seu descontentamento com uma economia que já não era a do "milagre", e a entidade teve, então, seu momento de "sociedade civil".
Entre 86 e 94, foi comum que planos econômicos voltados a derrubar a inflação por congelamento de preços fizessem dos empresários o bode expiatório de seus sucessivos fracassos. Foi somente na gestão de Horacio Lafer Piva, encerrada pela tumultuada eleição de ontem, que a Fiesp voltou a atuar como entidade independente, tornando-se crítica habitual da política econômica.
É sabido que essa política -adotada por Fernando Henrique e mantida por Lula- é a responsável pelo crescimento medíocre do país, pelo estrangulamento da atividade produtiva, pelo desemprego que impulsiona a escalada do crime e pelos extraordinários lucros dos bancos. Preço alto demais pela vitória sobre a inflação. Ela não é, nem poderia ser, a política dos industriais.
Um sociólogo poderia especular que esse deslocamento da vetusta entidade para uma posição de crítica aberta, embora serena, ao governo corresponde a outro deslocamento, de caráter mais estrutural, que colocou o sistema financeiro no coração da atividade econômica, das preocupações governamentais e das atenções da mídia -relegando a civilização da chaminé a posição secundária.
A entidade dos industriais paulistas são duas, a Fiesp e o Ciesp. Recursos vultosos estão no Ciesp, mas a Fiesp tem mais peso institucional. Na eleição para a Fiesp votam sindicatos. Na do Ciesp votam diretamente as indústrias que o mantêm. Esse bifrontismo nunca foi problema até a tumultuada eleição de ontem, quando a oposição venceu na Fiesp e perdeu no Ciesp.
A eleição no Centro permanecia controvertida até o fechamento da edição. A se confirmarem os resultados, haverá uma situação inédita: dois presidentes falando pelos empresários. Um deles crítico da política econômica. O outro, partidário de uma "Fiesp de resultados", o que pode significar uma volta à política silenciosa dos corredores e uma maneira peculiar de homenagear Getúlio em Lula.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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