São Paulo, domingo, 26 de agosto de 2007

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Ajuda e emancipação


Sucesso assistencial e eleitoral do Bolsa Família anestesia conflito social e inibe ações sustentadas para superar a pobreza


O GOVERNO federal parece satisfeito com os resultados do Programa Bolsa Família (PBF). O talismã eleitoral de Lula cumpriu metas fixadas e atende hoje 11,1 milhões de famílias, beneficiando 1 em cada 4 brasileiros.
A marca é sinal do fracasso histórico das políticas de desenvolvimento no Brasil, que deveriam almejar a erradicação sustentada da pobreza. O relativo sucesso do programa em socorrer uma grande fatia da população em estado de emergência, com bônus eleitorais evidentes, reduz a visibilidade das críticas pertinentes quanto a seus limites.
O estudo "Perfil das Famílias Beneficiárias do Bolsa Família", divulgado na terça-feira pelo governo federal, é mais um a demonstrar que o PBF tem impacto positivo para os mais pobres. Estima-se que tenha contribuído com cerca de 1/5 da melhora de 4% apurada no índice de Gini, medida usual de concentração de renda, entre 2001 e 2004.
O levantamento mostra ainda que a fragilidade nessa base demográfica não se limita à renda monetária insuficiente. São em geral brasileiros carentes também de acesso a serviços fundamentais de bem-estar, como saneamento: só 36,4% dos domicílios atendidos são ligados a rede de esgoto. Nada menos que 51% dos responsáveis legais declararam não trabalhar e ficam assim alijados do único meio para uma vida digna e autônoma.
Essa é a dúvida que sempre pairou sobre os vários sistemas de renda mínima testados no mundo desde os anos 1930, em particular na Europa: se o efeito de médio e longo prazos -sendo inegável o benefício imediato- sobre a emancipação dos miseráveis seria positivo. Não se trata de uma crítica ideológica, mesmo porque houve pensadores ultraliberais do quilate de um Milton Friedman entre os defensores das sistemáticas mais universalistas, que não vinculam a concessão à situação de penúria.
O próprio Bolsa Família contempla em parte essa preocupação com o resgate dos mais pobres para o mundo do trabalho. Faz isso por intermédio das chamadas condicionalidades do benefício, como a obrigação de crianças de 6 a 15 anos observarem 85% de freqüência escolar mensal. Trata-se de criar condições para que essas crianças não se tornem bolsistas para sempre.
Iniciativas como o PBF devem ser temporárias. Durante sua vigência, cumpre manter controle rígido sobre os critérios, sob pena de agravar o caráter assistencialista do programa com as marcas da iniqüidade e da fraude. Quem não cumpre os requisitos de renda, idade, freqüência escolar ou monitoramento de saúde deve ser excluído da listagem; nesse sentido, a atualização apenas bienal do cadastro é um ponto vulnerável evidente.
O risco de que o PBF caminhe no sentido oposto dos objetivos emancipadores não é trivial, em especial diante da alta rentabilidade eleitoral e da aparência de que resgata dívida social -quando atua mais como um paliativo, um anestésico dos conflitos.
Nenhum governante ou candidato parece ter incentivo para restringir o programa, pois isso depreciaria seu capital político e o obrigaria a enfrentar o verdadeiro desafio: frear a espiral de gastos do governo federal, modernizar as políticas de desenvolvimento regional e colocar a economia no rumo do crescimento sustentado -o que permitirá gerar os empregos necessários para a superação da pobreza em larga escala.

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