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BRASIL MAIS VULNERÁVEL
Nunca os organismos financeiros
mundiais adotaram visões tão pessimistas e mesmo revisionistas como
na atual temporada de relatórios
anuais, divulgados na véspera do encontro anual do FMI. A situação do
Brasil, bem pesados os novos argumentos que relativizam o consenso
liberal das últimas duas décadas, torna-se ainda mais vulnerável.
A nova agenda não aponta para nenhum consenso novo, o que aliás é
positivo. Nada é mais daninho que o
hábito, cultivado por alguns economistas e burocratas, talvez para facilitar suas rotinas, de apostar em fórmulas abstratas, doa a quem doer.
O fracasso da ortodoxia, agora amplamente reconhecido por algumas
das mais altas autoridades financeiras do mundo, atinge várias áreas.
Vai da reavaliação das políticas do
FMI na Rússia ao elogio, tardio, das
medidas de controle cambial e sobre
capitais de curto prazo adotadas pela
Malásia. Passa ainda pelo reconhecimento, tardio também, dos perversos efeitos sociais e políticos de receitas de ajuste econômico.
Mesmo sem consenso, há um horizonte comum a essa reavaliação tardia, que pode ser resumido à restauração de dois conceitos básicos: o de
Estado e o de interesse nacional.
É justamente sobre esse novo quadro de referência que a situação do
Brasil se revela mais preocupante.
Desde o final dos anos 80, prosseguindo de modo ensandecido no governo Collor e assumindo uma suposta sofisticação sociológica no governo FHC, a economia brasileira foi
submetida a processos de desestatização e desnacionalização radicais.
Os exemplos atingem praticamente
todas as áreas. Ao privatizar sem antes construir agências e uma superestrutura de regulação, por exemplo, o
Brasil deu margem a dúvidas sobre a
eficácia da própria privatização.
Ao reduzir tarifas de importação de
modo unilateral, sem criar salvaguardas contra a concorrência desleal,
sem propiciar condições de investimento e modernização a inúmeros
setores e sem conseguir reciprocidade dos países beneficiados, em geral
no Primeiro Mundo, o governo brasileiro colocou o país numa rota de desequilíbrios externos cuja inversão,
agora urgente, continua remota.
Ao tentar avançar sem consistência
conceitual nem base política no processo de reforma da Previdência Social, o governo federal gerou uma
avalanche de pedidos de aposentadoria precoces, comprometendo ainda
mais a qualidade dos serviços em
áreas cruciais do setor público, como
educação, saúde e segurança. Tudo
isso sem que se tenha de fato produzido uma reforma completa e convincente do sistema previdenciário, o
que também compromete a qualidade do gasto público e a eficácia da
máquina administrativa.
Aliás, não é por acaso, como notam
os organismos multilaterais, que os
países hoje menos vulneráveis, sobretudo na Ásia, são os que menos
descuidaram, mesmo no período
mais recente de abertura comercial e
liberalização financeira, de políticas
de Estado estratégicas, pautadas pelos interesses nacionais. Agora eles
demonstram maior capacidade de
reação à crise e à escassez de capitais.
A crise global hoje não se caracteriza por episódios espetaculares de débâcle financeira. Mas a instabilidade
dos mercados, a incerteza política e
as crises sociais nos países em desenvolvimento continuarão preocupando ainda por vários anos.
Os males serão mais intensos nos
países que aderiram com maior ingenuidade à onda liberal.
O Brasil, que ficou mais vulnerável,
está entre os que terão de aprender
mais duramente essa lição.
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