São Paulo, Domingo, 26 de Setembro de 1999
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BRASIL MAIS VULNERÁVEL

Nunca os organismos financeiros mundiais adotaram visões tão pessimistas e mesmo revisionistas como na atual temporada de relatórios anuais, divulgados na véspera do encontro anual do FMI. A situação do Brasil, bem pesados os novos argumentos que relativizam o consenso liberal das últimas duas décadas, torna-se ainda mais vulnerável.
A nova agenda não aponta para nenhum consenso novo, o que aliás é positivo. Nada é mais daninho que o hábito, cultivado por alguns economistas e burocratas, talvez para facilitar suas rotinas, de apostar em fórmulas abstratas, doa a quem doer.
O fracasso da ortodoxia, agora amplamente reconhecido por algumas das mais altas autoridades financeiras do mundo, atinge várias áreas.
Vai da reavaliação das políticas do FMI na Rússia ao elogio, tardio, das medidas de controle cambial e sobre capitais de curto prazo adotadas pela Malásia. Passa ainda pelo reconhecimento, tardio também, dos perversos efeitos sociais e políticos de receitas de ajuste econômico.
Mesmo sem consenso, há um horizonte comum a essa reavaliação tardia, que pode ser resumido à restauração de dois conceitos básicos: o de Estado e o de interesse nacional.
É justamente sobre esse novo quadro de referência que a situação do Brasil se revela mais preocupante. Desde o final dos anos 80, prosseguindo de modo ensandecido no governo Collor e assumindo uma suposta sofisticação sociológica no governo FHC, a economia brasileira foi submetida a processos de desestatização e desnacionalização radicais.
Os exemplos atingem praticamente todas as áreas. Ao privatizar sem antes construir agências e uma superestrutura de regulação, por exemplo, o Brasil deu margem a dúvidas sobre a eficácia da própria privatização.
Ao reduzir tarifas de importação de modo unilateral, sem criar salvaguardas contra a concorrência desleal, sem propiciar condições de investimento e modernização a inúmeros setores e sem conseguir reciprocidade dos países beneficiados, em geral no Primeiro Mundo, o governo brasileiro colocou o país numa rota de desequilíbrios externos cuja inversão, agora urgente, continua remota.
Ao tentar avançar sem consistência conceitual nem base política no processo de reforma da Previdência Social, o governo federal gerou uma avalanche de pedidos de aposentadoria precoces, comprometendo ainda mais a qualidade dos serviços em áreas cruciais do setor público, como educação, saúde e segurança. Tudo isso sem que se tenha de fato produzido uma reforma completa e convincente do sistema previdenciário, o que também compromete a qualidade do gasto público e a eficácia da máquina administrativa.
Aliás, não é por acaso, como notam os organismos multilaterais, que os países hoje menos vulneráveis, sobretudo na Ásia, são os que menos descuidaram, mesmo no período mais recente de abertura comercial e liberalização financeira, de políticas de Estado estratégicas, pautadas pelos interesses nacionais. Agora eles demonstram maior capacidade de reação à crise e à escassez de capitais.
A crise global hoje não se caracteriza por episódios espetaculares de débâcle financeira. Mas a instabilidade dos mercados, a incerteza política e as crises sociais nos países em desenvolvimento continuarão preocupando ainda por vários anos.
Os males serão mais intensos nos países que aderiram com maior ingenuidade à onda liberal.
O Brasil, que ficou mais vulnerável, está entre os que terão de aprender mais duramente essa lição.


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