São Paulo, quinta-feira, 26 de setembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Os presidenciáveis e os homossexuais

LUIZ MOTT

Duas características unem os quatro principais candidatos à Presidência da República no tocante à questão do homossexualismo: a dificuldade em abordar tema ainda tabu e a mudança de opinião ao longo dos últimos anos.
Dos quatro candidatos, Lula foi o primeiro e quem mais opinou sobre o tema. Em 1979, declarou ao jornal gay "Lampião": "Homossexualismo na classe operária? Não conheço". Dois anos depois, em 1981, Lula assume discurso politicamente correto ao declarar, na 1ª Convenção Nacional do PT: "Não aceitaremos que no PT o homossexualismo seja tratado como doença e, muito menos, como caso de polícia".
Dez anos depois, ao ser questionado pela CNBB e por pastores sobre o casamento de homossexuais, Lula se esquivou: "No Brasil, nem homens nem mulheres querem se casar mais, que se dirá dos homossexuais?". Em 1997, ao pedir a união das oposições na eleição presidencial, disse: "Ou decidimos que vamos estar no mesmo barco ou vamos ficar nesta "viadagem"...". É de 2000 o mais grave "fora" homofóbico do ex-metalúrgico. Em uma conversa de bastidores com o candidato a prefeito de Pelotas, disse que Pelotas é pólo exportador de veados.
Agora, em 2002, o discurso de "Lula light" se aproxima da perfeição: "Sou a favor do direito de casais homossexuais terem a mesma proteção legal que os heterossexuais. Do contrário, não estaríamos agindo como quem reconhece que o amor é bom e verdadeiro e que toda maneira de amar vale a pena".
Do mesmo modo que Lula, Ciro Gomes manifestou opiniões bastante contraditórias. Em maio de 1993, no "Fantástico", disse que os gaúchos defensores da separação do Sul do país "deviam ter desvios homossexuais". Após ruidosos protestos do movimento gay nordestino, retratou-se, reconhecendo a infelicidade de tal afirmação.
Em 1994, de novo Ciro pisa na bola. Na convenção do PSDB em Contagem (MG), chamou um opositor de "baitola". Após longo silêncio sobre esse tema, em 2002, na TV, ao ser indagado por Marilia Gabriela sobre preconceito contra os homossexuais, disse: "Aprendi a superar a homofobia com o presidente do Grupo Gay da Bahia, Luiz Mott".
E em julho último, na enquete realizada por "O Globo" com todos os presidenciáveis, seu discurso não poderia ser politicamente mais correto: "Sou absolutamente a favor dos efeitos civis da união estável de homossexuais. Casamento não é o que eles estão postulando. Quanto à adoção, se for o melhor para a criança, se a condição for correta, depois de apreciada pela Justiça, como em qualquer outra adoção, tudo bem".


Incoerências no discurso dos presidenciáveis refletem a mesma contradição observada na sociedade brasileira


José Serra é quem menos falou publicamente a respeito dos homossexuais, muito embora tenha em seu currículo uma declaração antológica. Em 2001, ainda ministro da Saúde, ao participar de uma reunião sobre Aids na ONU, declarou: "Não assino documento em que o homossexualismo seja considerado pecado". Um ano depois, lideranças evangélicas cariocas atribuíram a Serra a afirmação de ser cristão e contrário à aprovação do projeto de parceria civil registrada entre homossexuais. O candidato, porém, negou aos jornalistas tal declaração.
Seu último pronunciamento sobre a questão homossexual foi considerado evasivo pelas lideranças gays: "Não compete ao Estado interferência nas relações entre dois adultos livremente consentidas. Já a união civil coloca obrigatoriamente sob a égide do Estado e da lei direitos e obrigações. Num Estado democrático como o nosso, a sociedade tem de ser chamada a discutir, opinar e decidir -até em um plebiscito. Para uma criança, a adoção é melhor que o abandono. O Estado deve conceder com liberalidade a adoção e exercer maior rigor na fiscalização".
Dos quatro principais presidenciáveis, Anthony Garotinho é quem mais radicaliza em sua oposição aos homossexuais. Em 2001, quando governador do Rio, teve uma fase mais liberal, ao sancionar uma lei contra a homofobia.
Nesse mesmo ano, contudo, declarou: "Uma coisa é o homossexualismo, outra coisa é o homossexual. Uma coisa é o pecador, outra é o pecado. Sou contra o homossexualismo, abertamente contra". Agora, em 2002, Garotinho radicaliza: "Eu, como cristão, sou contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a adoção de crianças por casais de gays".
Essas incoerências no discurso dos presidenciáveis em relação à homossexualidade refletem a mesma contradição observada na sociedade brasileira: de um lado, o Ministério da Saúde patrocina campanha na televisão defendendo a auto-estima dos gays e o próprio presidente da República aceita carregar, em pleno Palácio do Planalto, a bandeira do arco-íris, símbolo mundial do movimento gay; do outro lado, o Brasil emerge como o campeão mundial de assassinato de homossexuais.
Contradição desconcertante que nosso próximo presidente terá de enfrentar e trabalhar para solucionar.


Luiz Mott, 56, professor titular do Departamento de Antropologia da Universidade Federal da Bahia, é membro do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e presidente do Grupo Gay da Bahia.



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