![]() São Paulo, quinta-feira, 26 de outubro de 2006 |
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MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO Servidão voluntária
MILÊNIOS TECEM a fortuna desse oxímoro, indigitando atos vis: covardia
do guerreiro, violência do demagogo, malefícios do tirano, blandícia
da massa. Na Renascença, essa figura foi evocada em leque, embora
incautos a atribuam "pela primeira
vez" a La Boétie. Meio século antes,
Erasmo recolheu-a no bestiário
que satiriza a apologia da ignorância e o malogro do arbítrio. A abelha, irrefletida, próxima à natureza,
é insuperável ao construir edifícios
e repúblicas. O cavalo, afim ao homem, mimetiza-o e partilha sua inteligência, sentimentos e miséria:
na ânsia de vencer, ambos se esfalfam, batalham, forcejam e, por fim,
golpeados, comem pó. A ele, mil suplícios: freio, espora, chibata, rédea, toda a tragédia de uma servidão aceita voluntariamente. Existências ínfimas -de mosca, peixe,
rã, esponja-, porém livres, são melhores. Quem, dotado de força, discernimento e arte, deixou-se escravizar, anuiu à pior sina.
MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO escreve às quintas-feiras nesta coluna. Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Cúmplice dos desertos Próximo Texto: Frases Índice |
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