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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Rumo
O mundo , segundo lugar-comum, vive sob a ditadura da falta
de alternativa. As formas tradicionais
do esquerdismo malograram. Entretanto, a social-democracia convencional, que recorre a políticas sociais
compensatórias para humanizar a ordem existente, também se mostrou insuficiente. Incapaz, mesmo nos países
ricos, de superar desigualdades debilitantes. Ou de difundir a capacidade de
inovar sem que se precise, para criar o
novo, da pressão exercida por guerras
e crises econômicas.
Hoje, porém, combinação de experiências práticas e de descobertas intelectuais começa a subverter a ditadura
da não-alternativa. De um lado, as nações em desenvolvimento que mais
êxito vêm tendo em se fortalecer são
justamente aquelas, como a China,
mais férteis em inovações institucionais. É a supressão das liberdades o
que limita, nesses países, o potencial
do impulso inovador. De outro lado, o
pensamento conclui, pouco a pouco,
que reformas podem ser profundas
no desfecho sem deixarem de ser gradativas no método. A idéia da substituição por inteiro de sistemas sociais e
econômicos era apenas fantasia que
nos desviava das oportunidades
transformadoras.
Não há país que sofra mais do que o
nosso com a falta de alternativa. Nenhum reúne agora melhores condições para desbravar caminho que dê
alento à humanidade.
Para ter rumo, não é preciso mapear
toda a trajetória. Basta escolher a direção e conhecer os primeiros passos.
Políticas aparentemente corriqueiras
podem, por seu efeito combinado,
produzir transformações radicais. Para isso, dogma não presta. Vontade e
visão são, porém, indispensáveis.
O Brasil já tem a idéia desse rumo e
os meios para trilhá-lo. Oito séries de
medidas marcam seus primeiros passos. Primeiro, conseguir aprovar reformas da previdência e da tributação
que consolidem a situação fiscal do
Estado, mas desonerem, ao máximo
possível, a produção. Segundo, forjar
instituições que mobilizem a poupança de longo prazo para o investimento
de longo prazo, diminuindo nossa dependência do capital estrangeiro. Terceiro, construir mercado de consumo
em massa graças ao aumento progressivo da participação dos salários na
renda nacional e à unificação dos mercados formal e informal de trabalho.
Quarto, transformar a política industrial e agrária em instrumento para
descentralizar o acesso ao crédito, à
tecnologia e aos mercados, fazendo
dos empreendedores emergentes novo motor de crescimento, ao mesmo
tempo que se facilita a formação de
grandes empresas, capazes de competir em escala mundial. Quinto, melhorar a qualidade do ensino público e da
saúde pública para capacitar os brasileiros e para formar base duradoura
de apoio à ação democratizadora do
Estado. Sexto, ajudar diretamente os
que mais sofrem, nos extremos da miséria, para que a indecência não envenene o desenvolvimento. Sétimo, usar
o financiamento público das campanhas para conter a influência do dinheiro sobre a política. Oitavo, reposicionar o Brasil no mundo, multiplicando as parcerias políticas e econômicas que nos abram espaço não somente para exportar o que produzimos, mas também para mudar o que
somos.
Basta juntar elementos, ainda que
incompletos, de cada uma dessas oito
iniciativas para transformar a fundo a
situação e as perspectivas do Brasil.
Essa é a obra, modesta nas aparências,
viável nos meios e revolucionária nos
efeitos, que o novo governo tem tudo
para executar. Executando-a, será fiel
a si mesmo e à nação.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
http://www.law.harvard.edu/unger
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