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Novela mexicana
OTAVIO FRIAS FILHO
O aparecimento de senadores do PT
na última novela da Globo, onde tiveram a chance de exibir seus pendores
dramáticos num contexto ficcional,
despertou o apoio dos entusiastas de
uma aproximação entre novela e
``realidade''. Essa aproximação já vinha ocorrendo, embora o velório do
senador Caxias tenha sido seu ápice.
Seria outra a reação caso o ator especialmente convidado fosse um líder
da UDR ou mesmo FHC, listando a
quantidade ciclópica de assentamentos realizados em sua gestão. De fato,
a emissora se vê às voltas com uma
enxurrada de pedidos dos vários lobbies, cada um mais legítimo que o outro, disputando carona no enredo.
Este congelou numa estrutura fixa
-bons e maus, ricos e pobres, cidade
e sertão- que importa menos do que
os enxertos da conjuntura, extraídos
do ``Jornal Nacional''. Em termos publicitários, a novela tonifica o roteiro
exaurido por exigências comerciais,
beneficiando-se do ``recall'' do noticiário das 8.
Não há moda ou mania que não esteja na novela, esvaziada a sua arquitetura interna, retalhada em loteamentos pelo merchandising que dissimula da mesma forma cosméticos e
senadores. É como se Aracy Balabanian fosse chamada às pressas sempre
que os sensores indicassem queda de
audiência na comunidade de origem
armênia.
Na busca de uma fidelidade extensiva, de cada ponto na audiência, de cada tribo disponível, não há coerência
que aguente. Daí a idéia de que o estilo da novela brasileira seria uma variante do temível realismo mágico que
tanto flagelou nosso subcontinente,
ainda que realismo estatístico fosse,
no caso, termo mais adequado.
Passo mais radical foi dado com o
hiper-realismo de uma novela americana para jovens que a MTV está exibindo como ``Na Real'' (``The Real
World'', Los Angeles, 1993). Não existe enredo: a vida cotidiana já é uma
mina de clichês. Na reengenharia dessa novela, não há diretor e quem faz
os diálogos são os próprios atores ao
falar.
A produção se limitou a reunir um
rapper nova-iorquino, um vaqueiro
do Kentucky, uma garota batista etc.,
todos recém-egressos da adolescência,
para trancá-los num trailer e ver no
que dava. Eles são despachados Estados Unidos afora, enquanto uma câmera filma seus pequenos dramas, os
``conflitos em meio às incertezas da
idade''.
O resultado é soporífero. O telespectador está livre dos tipos histriônicos,
das cenas melosas e dos finais de capítulo com efeitos sonoros que dizem:
``Ela descobriu tudo, entendeu?'' ou
``Preste atenção, o cara está armado''.
Tudo fica mais simples, simples demais quando o drama é perder a licença de motorista por ter bebido cerveja.
Não que os personagens não sejam
estereotipados, como aliás se acusam
o tempo todo -eles são adolescentes,
afinal. Mas o tom de documentário faz
lembrar um programa da TV educativa, qualquer arroubo dos personagens
já soa como exibicionismo e sua vida,
desbotada assim, não parece menos
falsa que as novelas mexicanas.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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